quarta-feira, 10 de março de 2010

Primeira tarefa

Caracterize, de forma comparada, os modelos francês e britânico de justiça administrativa, tanto em termos históricos como na actualidade. Para isso, pode seguir uma de múltiplas vias, por exemplo, tanto pode proceder ao balanço das vantagens e inconvenientes dos dois modelos, como analisar essas mesmas características da perspectiva de um só deles, tanto pode analisar os sistemas em abstracto, como analisar o caso do país A ou B (escolhendo os exemplos mais "emblemáticos" ou os mais "desconhecidos"), tanto pode analisar a evolução histórica na sua totalidade, como fixar-se num momento determinado. Apela-se, assim, à sua inteligência e criatividade para fazer um pequeno ensaio sobre os modelos de contencioso administrativo.

Vasco Pereira da Silva

15 comentários:

  1. Primeira tarefa: modelos objectivista e subjectivista

    Através desta breve exposição farei uma distinção entre os modelos objectivista e subjectivista referindo os seus pontos mais importantes
    Primeiramente, o modelo objectivista do contencioso administrativo teve o seu maior impacto em França a partir da Revolução de 1789. Este modelo assentava num predomínio do contencioso administrativo comum em que se permitia o recurso de anulação das decisões administrativas, este recurso permitia fiscalizar a legalidade administrativa. Tinha também como característica a separação de poderes que surgiu devido à proibição dos tribunais judiciais interferirem na administração, mas esta separação de poderes foi “errada”ou “distorcida” como refere o professor Vasco Pereira da Silva, pois esta separação de poderes demasiado rígida não permite diferenciar as funções de administrar e julgar, criou-se uma confusão entre poder administrativo e judicial, levando a que quem administrava não era o administrador mas sim o juiz e quem julgava era o administrador. Contudo, o modelo objectivista pode considerar-se mais eficaz na defesa da legalidade.
    Seguidamente, surge um modelo subjectivista por influência das concepções anglo-saxónicas em que se foca numa protecção dos particulares através de uma limitação de discricionariedade na actuação da actividade administrativa. Deste modo, proporcionam-se mais meios de defesa aos particulares garantindo uma protecção judicial efectiva, como por exemplo meios de acção de jurisdição plena assim como o alargamento do campo da legitimidade. É assim possível delimitarmos dois pólos distintos, os particulares e a administração.
    Actualmente existem modelos mistos, com características objectivas e subjectivas sendo que também existem alguns com características maioritariamente subjectivas, mas não existem países cm modelos objectivistas puros. Com efeito, esta situação é mais proveitosa pois podemos usufruir da maior protecção dos direitos dos particulares garantindo-lhes mais meios de defesa e também através do modelo objectivista obter uma maior defesa da legalidade limitando-se a esfera administrativa.


    Nicole Pereira subturma A5 nº16799

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  2. Na analise dos modelos francês e britânico, deparamo-nos com realidades que ao longo dos tempos foram sempre sendo opostas.
    O modelo francês era fortemente caracterizado por uma ideia radical de separação de poderes, em que nao existiam verdadeiros tribunais administrativos mas orgãos independentes. No âmbito do contencioso administrativo, este modelo assentava sobretudo no recurso de anulações de decisoes administrativas por excesso de poder que, coexistia com uma área de aparente plena jurisdição. De facto, existiam meios de acção em materias de contratos e de responsabilidade civil, mas estes meios estavam limitados aos principios de decisão previa e de injunções directas. Para além disso, o recurso de anulação acima referido, era sobretudo destinado á fiscalização das entidades administrativas, em que os administrados tinham um papel auxiliar de ajuda nesta fiscalização.
    Contrariamente, o modelo do contencioso britânico possuía uma verdadeira organização jurisdicional, separada orgânicamente da jurisdição comum. Procurava uma protecção judicial plena e efectiva dos administrados, em que estes tinham meios de acção plena não so quanto à anulação de decisões administrativas, mas também quanto a acções de condenção, declarativas e cautelares. Neste modelo ainda existia uma fiscalização da actividade administrativa, sobretudo quanto aos poderes discricionários.
    Apresentadas os seus modelos caracteristicos, resta conluir que o modelo francês tinha por base a defesa da legalidade ou jurisdicidade administrativa, enquanto que o modelo britânico procurava essencialmente assegurar a protecçao dos direitos dos particulares.

    Ana Flavia Costa Silva subturma10 nº15958

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  3. No seguimento da tarefa que o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva lançou, proponho-me analisar as características do Contencioso Administrativo no sistema francês e britânico ao longo da história.
    A Infância difícil como se refere o Professor diz respeito a dois acontecimentos. O surgimento do Contencioso no contexto da Revolução Francesa concebido como um privilégio da administração visando a defesa dos poderes públicos, bem como, a afirmação da autonomia do direito administrativo. A consequência destes dois factos foi verificar-se uma maior preocupação e garantia com a tutela da administração do que face aos direitos dos particulares.
    A primeira fase é designada como “O Pecado Original”, surge precisamente com a Revolução Francesa e caracteriza-se por uma confusão entre a função de administrar e julgar. Os tribunais judiciais não podiam interferir na administração, nomeadamente condenarem a mesma e a justificação dada assentava no princípio da separação de poderes que era interpretado de forma errada segundo a posição defendida pelo Professor. Entendia-se que “julgar a administração é ainda administrar”, no entanto, a interpretação correcta seria a de que “julgar a administração seria ainda julgar”, assim neste período há simultaneamente a afirmação e a negação deste princípio pela interpretação dada pelos revolucionários franceses.
    É neste momento que surgem duas realidades no Contencioso Administrativo, o modelo francês e o modelo britânico, sendo que ambos os modelos partem de uma ideia assente no Estado Liberal mas cujos entendimentos são diferentes porque no caso do modelo francês houve ainda muito da influência do Antigo Regime. No modelo britânico a separação era entendida como sendo poderes autónomos e independentes, limitando-se reciprocamente mas sem a integração numa entidade superior pelo que havia a submissão da administração aos tribunais e a regras de direito comum. Pelo contrário no modelo francês surge a necessidade de criar um contencioso especial pois não se admite que a administração seja julgada por qualquer juiz porque é soberana e dotada de privilégios especiais que fazem surgir essa necessidade. Assim, consequência da errada interpretação do princípio da separação de poderes, o período do administrador-juíz consagra 3 momentos distintos que se mantêm durante bastante tempo. O primeiro em que os julgamentos são remetidos para os órgãos da administração verificando-se como já foi referido anteriormente uma confusão entre julgar e administrar. O segundo momento que se designa de justiça reservada em que é criado o Conselho de Estado como órgão da administração de carácter consultivo mas que ainda é simultaneamente administrativo e judiciário e por fim o terceiro momento que se designa de justiça delegada e em que as decisões do Conselho de Estado já se tornam definitivas por delegação de poderes.

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    Vanessa Nunes, subturma 12, n.º16907

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  4. Continuação
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    A segunda fase designada pelo “Baptismo” ou Jurisdicionalização uma vez que com a instauração do modelo de Estado Social se procura alcançar uma jurisdição autónoma.
    No direito francês o processo de transformação dos órgãos de controlo da administração em tribunais administrativos foi lento e gradual bem como marcado por sucessivas reformas legislativas. As principais mudanças prendem-se com o surgimento de duas instâncias e a jurisdicionalização plena de cada uma delas. Assim, assistiu-se a uma transformação de “órgãos administrativos especiais” em verdadeiros tribunais.
    Já no sistema britânico, existia uma discrepância entre a teoria, segundo a qual o controlo da administração pelos tribunais comuns estava integrado num poder judicial independente e em que o juiz goza de plenos poderes face à administração, mas na prática não ocorria de forma tão linear uma vez que estava sujeita a limitações. Dessas limitações pode indicar-se o juiz autolimitar a sua apreciação no domínio do poder discricionário que torna menos efectivo o controlo judicial. Também a existência de diferentes regras processuais para os litígios administrativos constituía um limite uma vez que para controlar a maior parte das decisões administrativas não era possível através de meios processuais genéricos mas específicos que não eram utilizados pelos particulares porque não podiam ser accionados contra a Coroa. Dada esta discrepância entre teoria e prática surgem “entidades administrativas especiais" cuja função é para além das tarefas administrativas também a de fiscalizar a administração. Assim, para além dos tribunais comuns também os órgãos administrativos especiais controlavam a administração cabendo a última palavra ao tribunal.
    Assim, ambos os sistemas são compostos por tribunais autónomos e independentes a controlar a administração, no sistema francês há tribunais especiais e por isso uma jurisdição autónoma enquanto que no britânico os tribunais são comuns.

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    Vanessa Nunes, subturma 12, n.º16907

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  5. Continuação

    (...)

    Por último surge a fase da Confirmação que se caracteriza pela acentuada dimensão jurisdicional com plenitude de poderes, bem como pela afirmação da natureza subjectiva em que se tutela os direitos das partes, quer da administração como dos particulares.
    Dentro desta fase surgem dois Sub-Períodos, a Constitucionalização do Contencioso Administrativo consagrado como novo modelo realizado por verdadeiros tribunais e destinado a garantir uma protecção integral e efectiva por parte dos particulares.
    No caso Francês este processo foi mais demorado mas foi realizado pelo Conselho de Estado durante o século XX e conta com o auxílio da jurisprudência constitucional. A sua consagração ocorreu ao nível da lei fundamental reconhecendo-se que a administração tem que ser julgada por tribunais ainda que de uma outra jurisdição e não por órgãos que estejam dependentes da administração bem como a afirmação de que os particulares gozam de direito a aceder a esses tribunais para protecção das suas posições subjectivas perante a administração.
    No caso do sistema Britânico esta fase começou pela consagração de regras e princípios próprios e também adquiriu posteriormente dimensão constitucional. A constitucionalização é acompanhada por uma progressiva especialização do contencioso administrativo a três níveis. A criação de um tribunal especializado em matéria administrativa, desaparecendo o principal aspecto que caracterizava o modelo britânico. A segunda mudança prendeu-se com o estabelecimento de regras processuais específicas para o julgamento de litígios administrativos bem como a concentração num meio processual especial dos poderes de controlo da administração pelo juiz. Em terceiro lugar uma reorganização das garantias administrativas e contenciosas para aumentar a eficácia do sistema através da possibilidade de impugnação perante um tribunal das decisões dos órgãos administrativos especiais.
    O segundo sub- período é o da Europeização que se caracteriza pela integração vertical, ou seja, por surgirem fontes europeias relevantes no Contencioso Administrativo como na área da contratação pública ou das providências cautelares, bem como pela integração horizontal que se caracteriza pela convergência cada vez mais acentuada das legislações nacionais quando existem reformas do Contencioso Administrativo.
    Em suma, no seguimento do que diz o Professor Vasco Pereira Da Silva em jeito de conclusão, pode afirmar-se a existência de um Direito do Processo Administrativo Europeu ou Comum de fonte legislativa como jurisprudencial, bem como a convergência dos sistemas de contencioso nacionais nomeadamente os dois sistemas já analisados de matriz francesa e britânico.

    Vanessa Nunes, subturma 12, n.º16907

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  6. Primeira tarefa
    Acerca da génese dos dois modelos e a sua relação com o conceito de estado encarado, por um lado, de forma viril/ditatorial por autores como Hobbes, Rosseau ou Maquiavel e, por outro, de forma mais garantística por autores como Locke e Montesquieu.

    Esta Análise começa com a fase do pecado original, o período do nascimento do Contencioso administrativo e que constitui uma evolução até à chegada do paradigma liberal que é o sistema da justiça delegada. Esta fase caracteriza-se por uma síntese entre administrar e julgar, paradigma distante do contemporâneo entendimento do princípio da separação de poderes pois é guiado por um entendimento deste princípio que se apelida de “rígido”, tal como defendido pelo modelo francês/continental, e que se consubstancia como uma interpretação heterodoxa.
    Neste caso em particular, a noção de Estado objecto de análise encontra-se enquadrada não tanto nesta fase do pecado original mas sim nos antecedentes, ou seja, na fase “anterior ao parto”, adoptando a metáfora do professor.

    Assim, o modelo francês é fortemente influenciado pela experiência da revolução francesa que foi a génese de uma reconceptualizaçao de Estado com base no principio da separação de poderes, tal como anteriormente descrito.
    Inversamente, o modelo britânico encontra a sua influência na matriz liberal, onde a separação de poderes não é entendida de forma rígida mas sim como defensora de poderes autónomos e independentes que se limitam reciprocamente numa harmonia quase simbiótica.
    Assim, neste modelo a administração sujeita-se aos tribunais comuns, já no modelo continental e uma vez que por traz dos poderes esta a ideia de Estado, estas matérias cabem já na jurisdição de um tribunal especifico, autónomo do comum.
    (...)

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  7. (...)
    Conclui-se então que embora a matriz liberal que se desenvolveu no Reúno Unido seja comum as experiências vão originar modelos diferentes. Poder-se-ia até teorizar aqui acerca da relevância do “factor genético”, ou seja, da matriz liberal comum, face ao “factor ambiental” de que as experiência díspares seriam exemplificativas, ao estilo psicanalítico e de Piaget.

    O professor fala-nos no seu manual da referência ao conceito de Estado como delimitação dos dois modelos. Por um lado a influência masculina no modelo francês e por outroa feminina no modelo britânico.

    Na experiencia francesa: Maquiavel, Bodin, Rosseau e Hobbes (os dois últimos os fundadores do conceito de contrato social enquanto fundamento e legitimidade do estado) pronunciam-se por uma lógica de centralização do poder ao estilo d “O príncipe” e de luís XVI, o verdadeiro absolutismo personificado.
    Cabe então uma análise a estes autores. Maquiavel, por excelência o teorizador de uma concepção de poder liberta da moral, opta pelo realismo político face ao idealismo ético. É defensor da crueldade e da astúcia como meios não só aceitáveis mas também recomendáveis nos processos de obtenção e conservação do poder. É ainda o primeiro autor a utilizar a palavra “Estado”enquanto comunidade política soberana. No entanto este autor não é defensor de formas de governo absolutistas, preferindo a república como forma ideal e aceitando a monarquia absolutista em casos excepcionais e portanto, a sua contribuição enquanto “pai” deste modelo não parte daí mas sim da amoralidade política que defende, ou seja, do conceito de “razão de Estado” enquanto razão de força maior justificativa de acções injustas para os cidadãos com a finalidade de preservar o poder político (o que poderá servir de base para uma estrutura jurisdicional autónoma para o contencioso administrativo);
    A contribuição de Bodin passa pela ideia de “soberania” enquanto poder absoluto e perpétuo de uma República. Nesta ideia de poder absoluto, está patente a necessidade de este poder não responder perante nenhum outro, ou seja, para este autor nunca seria admissível submeter o poder político ao poder jurisdicional comum.
    (...)

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  8. (...)
    A contribuição de Hobbes vem reforçar a ideia de autoritarismo e absolutismo já descritas. Este autor vê o Estado como uma Leviathan, um monstro que combate outros, mais perigosos que ele próprio.

    Experiencia britânica: Locke e Montesquieu, teorizadores da autolimitação do poder politico e de uma orientação do Estado para a protecção dos direitos individuais e para uma posição de garante social mediante a plena separação de poderes.
    Locke vê o poder político como um “direito” a fazer leis e a estabelecer as penas pelo seu desrespeito, à semelhança de Bodin, mas acrescenta um elemento fundamental, o da limitação do poder político (pelo direito natural e pelos direitos individuais dos cidadãos) admitindo, inclusíve, um direito de apelar ao céu, uma versão primitiva mas muito pertinente à luz do Iluminismo do direito de resistência.
    Montesquieu, defende igualmente uma versão limitada do poder político, pelo direito e pelo pluralismo político administrativo e ainda pelo princípio da separação dos poderes. Este princípio só faz sentido quando haja uma efectiva limitação recíproca entre os vários poderes. Desta perspectiva admitir um entendimento “rígido” da separação de poderes em que esta limitação não exista, é o mesmo que a não admitir. Montesquieu escreve “não existe liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder(…) executivo”.

    Mais do que ter por “pais” ou por “mães” estes autores, o modelo francês parece ter por pai a Idade Moderna, que se destaca pela centralização do poder e pela afirmação do estado soberano, com a rigidez e masculinidade descritas pelo professor, e o modelo britânico ter por mãe o Iluminismo, que rompeu com a autoridade até aí dogmática, advogando que “nada terá agora validade se não conseguir justificar-se perante o tribunal da razão” (Cabral da Moncada” e defendendo a racionalidade o humanitarismo e o subjectivismo, valores que são tradicionalmente associados ao feminino.

    Ana Viegas de Oliveira, 16465, 4º A, subturma 4

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  10. O Contencioso Admnistrativo Britânico no sofá de Carl Jung

    Continuando com a alegre metáfora do Professor Vasco Pereira da Silva, queria também contribuir para o embelezamento da ideia através duma análise, leiga, do inconsciente administrativo britânico.
    Diferentemente dos seus "amies" franceses, a "infância difícil" parece nao ter afectado os Britânicos. Estes aquando do liberalismo político viviam ainda numa fase de recalcamento, ou como diria Jung, sofreriam de lacunas graves no processo de individuaçao que levaram à instabilidade da "personalidade" e "identidade" do Direito Administrativo que quando confrontados com as exigencias do surgimento da Administraçao Prestadora que, como refere o Professor Vasco P. da Silva, foram nao apenas trazidas pela dimensao Social do poder decorrente das transformaçoes politicas do século XX mas também pela própria adopçao de uma noçao de Estado "importada do Continente".
    O despertar da Grâ-Bretanha para a realidade do Direito Administrativo, à semelhança do que aconteceu também em França, foi faseado e nao aconteceu de subito, apesar do possivel contributo que poderiam ter retirado do exemplo francês que tinha ja ultrapassado a fase do "pecado original" e iniciado o processo de jurisdicionalizaçao do Direito Administrativo com vista a afastar a Administraçao da Justiça, o dito "milagre" ou "milagres" (pergunta: terá sido assim tao subtil a autonomizaçao da jurisdiçao administrativa relativamente à Administraçao para que fosse sequer plausível de se lhe apelidar de milagre?).

    Torna-se engraçado observar como estes problemas latentes do Direito Anglo-saxónico começam a aflorar com as tentativas falhadas de criaçao de normas reguladoras da actividade administrativa e, principalmente, com grande ironia, órgaos administrativos especiais (os tribunals) que juntamente com as falhas de controlo judicial no âmbito do poder discricionario da administraçao representam os problemas de "afirmaçao de personalidade", de um ponto de vista junguiano poder-se-à referir àquelas como falhas de estabilizaçao da personalidade, que pode e deve ser alcançada através de um processo de compreensao do proprio inconsciente, com um objectivo de auto-realizaçao. No caso, seria a criaçao de um sistema coerente capaz de responder às necessidades do Estado Social e que ao mesmo tempo separasse Direito e Justiça Administrativa.

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  11. Demorou algum tempo para que os anglo-saxónicos estabelecessem um tal sistema (se é que se pode dizer que tal sistema existe, quer na Grã-Bretanha quer em qualquer outro país do mundo). Como afirmam os autores Bradley e Ewing, o papel que era desempenhado pelos tribunals ficava algures entre aquilo que era administrar e o que era julgar. A confusao que se vai gerar com a introduçao do Direito Administrativo no Reino Unido, vai no sentido oposto ao que se começava a fazer sentir no continente. A fronteira entre Administraçao e Justiça é incompreensivelmente delapidada. Ironicamente, desde o início eram os próprios ingleses que se orgulhavam de nunca ter violado tal separaçao de poderes conferindo desde sempre o poder de julgar a Administraçao aos tribunais comuns. É certo que a intervençao dos poderes públicos na vida económica, social e cultural da Sociedade impõe um novo olhar sobre como deve ser julgada a administraçao, mas daí a serem criadas entidades de cariz marcadamente administrativo (administrative tribunals) com o poder de desempenhar tarefas de controlo da actividade administrativa vai um retrocesso que nao se compreende. Nao se compreende no plano da dogmatica do Direito Administrativo e muito menos, e mais importante, no plano de atribuiçao de garantias administrativas e judiciais aos particulares face à actuaçao/intervençao dos órgaos administrativos. Incompreensivel é também a evoluçao da psicose no sistema inglês que levou (diferentemente com o que se passou no sistema francês no qual o problema foi a criaçao de tribunais especiais que dependiam da Administraçao e como tal criava a tal situaçao do "juiz de trazer por casa") a uma barafunda de meios processuais composta de garantias administrativas e judiciais que se interlaçam e provocam a intervençao conjugada dos tribunals e dos courts (tribunais comuns). É caso para dizer que a vontade de serem diferentes dos outros é tao grande que implica uma construçao dogmatica que em vez de simplificar apenas parece complicar, o que, diga-se, tem muito pouco a ver com a mentalidade anglo-saxónica. Parece um pouco aqueles jovens que na procura pela sua própria identidade se pretendem afastar o mais possível do peso da comunidade mas sem perceber que, por vezes, uma tal influência pode ser benéfica para a melhor compreensao das coisas, ainda por cima com o perigo de afastamento entre a consciencia individual e os arquétipos de que fala Jung.

    A história, porém, não fica por aqui. Se numa primeira abordagem ao elemento novo e desconhecido, que era o Direito Administrativo, os Ingleses acusaram a pressão entrando inconscientemente naquilo que Jung definiria como um processo de negação da “sombra” (shadow) reprimida do Direito Administrativo, verdade é, também, que numa contínua aproximação a esta nova realidade com a tenacidade que lhes é inerente souberam crescer à altura dos seus problemas, dando lugar ao que o Professor Vasco P. Silva chama a “especialização” do Contencioso Administrativo britânico.

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  12. Começaram por superar estes sintomas neuróticos com o estabelecimento de regras e princípios próprios ao Direito Administrativo acabando, mais tarde, por lhes atribuir dimensão constitucional material. Das palavras proferidas por Lord Diplock relativas ao desenvolvimento do sistema Administrativo anglo-saxónico apercebemo-nos de que o papel desempenhado pela jurisprudência foi essencial mas, também, tal não é de estranhar muito, dado que esta actividade constitui a “corner stone” da common law. Na base das transformações que foram acontecendo, à estiveram, com especial relevo, a reforma de 1977 com a importante criaçao do “Queen´s Bench Division” (divisão administrativa do “high court” que apesar de inserida na jurisdiçao comum nao deixa de representar uma aproximação ao exemplo dos vizinhos “de la manche”, e significa uma cedência importante, uma vontade de fazer parte do colectivo, um passo em frente no processo de individuação) destinada e especializada no tratamento de litígios administrativos ,juntamente com a criação de uma “forma especial de processo” a “judicial review” como meio processual único com vista ao controlo tanto da Admnistração activa como das autoridades administrativas independentes mediante um processo próprio com regras processuais que apenas a este dizem respeito. É de constatar que este meio único contribuiu para a realidade actual portuguesa de divisão entre dois grandes tipos de acções com uma multiplicidade de pedidos. A reforma de 1992 foi percurssora de alterações de fundo em matéria de garantias administrativas, fundamentalmente com a elevação a princípio constitucional material da regra que torna possível a revisão de decisão de um “tribunal” para um “court” e vem pôr termo a alguma confusão remanescente entre administrar e julgar.
    Por fim, a fase da europeização, que se fez sentir um pouco de braços dados com a constitucionalização, vem assumir um papel muito importante no quadro anglo-saxónico. Poderia nao ter sido assim, pois como diz o próprio professor Vasco P. Silva a “estranheza” que se fez sentir com a intromissão do Direito Administrativo europeu poderia ter conduzido, antes, a uma rejeição das novas concepções. Ao invés, houve uma grande aceitação dos novos conceitos que facilmente ficaram incorporados (e vêm ficando) no Direito Administrativo britânico. Abriu-se as portas para e chegada de fortes ventos de mudança que vieram abalar velhas imunidades de actos da Coroa e trouxeram a “boa nova” do Direito Cautelar Europeu nomeadamente com a imposição de criação de meios urgentes e cautelares para uma adequada defesa dos direitos dos particulares, que até então se tinha como inconcebível.
    O caminho percorrido foi tortuoso mas agora ja possuem um conhecimento de si mesmos muito maior e o caminho contínuo para o objectivo último, seja ele qual for, vai ser mais a direito/recto. Será?

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  13. O contrato administrativo com esquizofrenía dissociativa

    Primeiro um parêntesis: dissociativa porque à imagem dos relatos que chegam dos EUA esta “doença da psique” tem se vindo a constatar que deriva do tratamento errado que é feito pelos psiquiatras que induzem as pessoas num estado erróneo de psicose e fazem a pessoa traumatizar sobre questões inexistentes empurrando as pessoas para esse estado. A “doença” é tão duvidosa que não existem sequer relatos de casos desses em toda a Europa.
    Mais um tema que é sem dúvida muito interessante, dum ponto de vista académico, mas, na minha óptica, principalmente por ser extremamente lúdica a caracterização feita pelo Professor Vasco Pereira da Silva. Como vem fazendo ao longo do livro com outros temas, senta desta feita o contrato administrativo no divã e percorre com ele os passos mentais de uma sessão psicanalítica freudiana para revelar (também aqui) as psicoses traumáticas de que padece.
    Quando a administraçao detinha o controlo judicial das suas actuaçoes, no tempo do juiz-administrador, o poder que detinha inicialmente apenas em relaçao aos actos praticados por si foi estendido, como nao podia deixar de ser no panorama da Administraçao Agressiva do Estado Liberal, aos contratos administrativos que por revestirem especial importancia deveriam também ser sujeitos ao controlo dos “tribunais especiais”. Aqui começa entao o devaneio psicótico: explica o Professor de forma engraçada que dentro de um grupo de contratos iguais (celebrados pela administraçao) os tribunais pegam em alguns “iguais mas que nao sao iguais”, “os que dentro da igualdade eram mais iguais que os outros” e como tal atribuem-lhes um foro especial dominado/minado pela influencia da propria administraçao, e sujeitam os “outros iguais”, que afinal nao deviam ser tao iguais quanto isso, ao controlo dos tribunais judiciais (comuns). Devo dizer que no meio de toda esta amalgama de “igualdades” deve-se salientar que transportando-se esta ideia para aquela época, estas “igualdades” nao eram sequer visíveis, desde logo pelo motivo que o próprio professor adianta como justificaçao da distinçao dos “iguais” que era a importancia em termos de valor economico e a importancia politica, e como tal é de certa forma justificável (a meu ver) a actuaçao dos tribunais nestes termos.

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  14. A loucura instala-se. É de extremo interesse seguir aqui o raciocínio do Professor: as razões da dualidade que até entao eram apenas de ordem pratica de consequencias unicamente processuais, extravasam o inconsciente e invadem o consciente, tal como o doente que tenta racionalizar a sua própria demencia. Surgem assim as teorias das diferenças substantivas dos contratos administrativos destacando-os dos demais para que fique justificado o tratamento processual distinto. Fala-se neste ambito de “privilegios exorbitantes” da Administraçao como forma de justificaçao da criaçao desta nova natureza material de contrato. A destrinça entre contratos administrativos como provenientes de um poder especial da Administraçao (que exige agora um regime substantivo e processual especifico) e os contratos de direito privado da administraçao perante os quais a Administraçao actua e é vista como um simples ente privado, fica, assim, ainda mais demarcada por sucessivas contruçoes doutrinarias. Para rematar a questao em força é proposta pelo Professor a visao do contrato administrativo como “monstro de duas caras”, uma ideia que resulta de uma noçao ela propria esquizofrenica que afirma que o contrato administrativo é ao mesmo tempo um acordo de vontades entre Administraçao e particulares e postula simultaneamente a prática de poderes unilaterais exorbitantes ou autoritários por parte das autoridades publicas, criando-se assim uma ideia de contrato administrativo que consegue jogar no campo da bilateraliade e da unilateralidade. Mas também aqui consigo perceber o porquê desta dualidade esquizofrénica, pois tem de ser concedida à Administraçao poderes especiais dentro do contrato que nao podem ser concedidos a contra-parte por mais nao seja por uma razao de ponderaçao de interesses, devendo caber aqui uma presunçao de que os interesses prosseguidos pela administraçao sao genticamente interesses mais fortes e que necessitam de maior protecçao, o que nao implica obviamente a elisao de tal presunçao.
    Das novas concepçoes substantivas do contrato administrativo nasce a necessidade de existencia de um regime juridico especial de direito público no qual se pretendia depositar nas maos da Administraçao poderes especiais a nível de interpretaçao do contrato e da execuçao do mesmo.

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  15. Penso que a ideia essencial a reter é de que a construçao dualista esquizofrenica do contrato administrativo vem influenciada (assim como também aconteceu com o acto administrativo) pela visao do Estado Liberal do papel agressivo a desempenhar pela Administraçao que apenas fortalecia a ideia de que num contrato em que participava a administraçao, esta sobrepor-se-ia naturalmente ao particular detendo inclusivé os chamados poderes exorbitantes tal qual um trunfo que é concedido pelo simples facto de se tratar da Administraçao e de estarem em causa interesses desta que se sobrepunham a quaisquer do particular.
    Numa fase mais actual a dicotomia tem vindo a desaparecer por via da doutrina e por via, em grande parte e de forma muito relevante o Direito Europeu (pelo contributo inegável de inúmeras directivas comunitárias que vieram alterar muito o regime da contrataçao publica). A Professora Maria Joao Estorninho avança com a ideia de que, com a crescente utilizaçao da contrataçao publica como forma de exercício da mais variada ordem de necessidades quotidianas da Administraçao e ainda entre uma multiplicidade de outras formas de actuaçao, se tem vindo a reconhecer que já nem o contrato administrativo representa tanta exorbitancia para a Administraçao, nem os contratos privados da Administraçao sao exactamente contratos celebrados apenas por particulares, o que leva a um entendimento de que estes dois pólos tornaram-se mais próximos e têm tendência a convergirem.
    Compreendo este entendimento e compreendo que com o novo Código dos Contratos Públicos a contrataçao publica ficou claramente mais uniformizada/unificada em termos de regime. Mas sinto dificuldades em perceber uma coisa (muito provavelmente por insuficiencia de conhecimento da materia em causa): nao consigo entender como se podem dissipar as dificuldades em conciliar a ideia de consenso (inerente à ideia de contrato) e o entendimento da Administraçao como poder, dizendo inclusivé que a contratualizaçao é cada vez mais um modo importante e habitual de actuaçao da moderna Administraçao Publica, se se permite, no limite, que haja retractabilidade do consenso prestado por parte da Administraçao. Nao se mantém aqui a Bilateralidade vs. Unilateraliade esquizofrénica? Na minha maneira de ver, contratos celebrados pela Administraçao Publica em certos casos irão sempre ser necessario conceder-lhe uma posiçao de supremacia que é atípico à contrataçao privada. Penso que diz a Professora Maria Joao Estorninho que quando a Administraçao exerce o poder de modificar unilateralmente os contratos por si firmados, a administraçao nao está a exercer uma prerrogativa contratual mas sim a praticar um acto de poder publico, ao estar a execer um direito que lhe pertence enquanto Administraçao, o “ius variandi”. Mas fazer parte do contrato e alterá-lo, chamar-lhe prorrogativa contratual ou poder publico, facto é que o contrato fica alterado unilateralmente, o que torna dificil de compatibilizar com o direito contratual comum (julgo eu).

    (este comentario esta mal colocado mas foi onde consegui colocá-lo, visto que como mensagem nova nao era aceite...)

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