quarta-feira, 28 de abril de 2010

Simulação de Julgamento

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO
SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO



O Instituto do Emprego e da Formação Profissional procedeu à nomeação de João Sempre Disponível para Director do Centro de Emprego do município de Desempregados, em regime de substituição, do seu anterior Director (também já antes nomeado em regime de substituição) - precisamente o mesmo João Sempre Disponível - sem ter procedido à abertura do necessário concurso público para o provimento do cargo.
Confrontado com esta actuação, o Presidente do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, Manuel Venham Mais Cem, justifica o seu comportamento, repetido em centenas de casos idênticos, por todo o país, com base na insuficiência de pessoal do serviço que dirige, o que o impediria de proceder à realização dos concursos públicos dentro do prazo legal, tendo-se por isso visto obrigado a prolongar, a título de substituição, em mais dois meses, os mandatos dos directores regionais anteriores.
Contra esta prática se insurge o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, Luís Sindicalista, que se propõe contestar judicialmente as referidas nomeações, assim como prestar apoio a todos os trabalhadores do Instituto em eventuais acções destinadas à contestação das decisões em apreço. Tal é o caso, nomeadamente, de António Atento, que concorrera ao concurso para Director do Centro de Emprego de Desempregados, que foi adiado, em razão dos acontecimentos descritos.

Quid iuris?



(N.B. Trata-se de uma hipótese meramente académica pelo que qualquer semelhança com factos e personagens da vida real é pura coincidência O presente texto constitui apenas uma hipótese de trabalho, destinado a delimitar as questões jurídicas objecto da simulação, podendo (devendo) os pormenores concretos do caso ser completados ou reconstruídos, na simulação de julgamento a realizar em cada uma das turmas.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Legitimidade Processual: o particular e a administração enquanto partes

Actualmente, o legislador já se incumbiu de evidenciar que os processos do Contencioso Administrativo são, inequivocamente, de partes, exaltando a manifesta superação dos "traumas da infância".
A título de enquadramento, alude-se a uma lógica clássica, oriunda do modelo francês, na qual nem o particular nem a Administração eram considerados partes, pois visava-se meramente a colaboração destes com o Tribunal, com o desiderato de defender a legalidade e o interesse público; neste sentido, não era admissível a defesa de direitos ou interesses próprios; revela-se fulcral constactar que, não sendo reconhecidos aos particulares direitos subjectivos face à Administração, assumiam a posição de um "Ministério Público", tal como nos sugere o professor Vasco Pereira da Silva; quanto à Administração, só poderia ser encarada como parte se o juíz desempenhasse o papel de um terceiro e, como é sabido, tal não sucedia.
Esta negação da qualidade de parte só foi afastada pela CRP de 1976, sendo que a mesma integrou o Contencioso Administrativo no Poder Judicial. Assim, num contencioso plenamente jurisdicionalizado e de natureza subjectiva, tanto o particular como a Administração são considerados partes que, perante um juíz, defendem as suas posições, posições essas concretizadas na afirmação da lesão de um direito e no interesse público, respectivamente.
No que diz respeito ao CPTA, este consagra expressamente tanto a referida regra de que os particulares e a Administração são partes nos processos com cariz administrativo como também é manifesta a proclamação do princípio da igualdade efectiva da participação processual, consagrada no artigo 6º, afastando de todo o modelo objectivista que anteriormente vingava. Ainda no âmbito do princípio da igualdade, é relevante demonstrar que este de destaca não só pelas possibilidades de intervenção no processo, como também no que diz respeito à possibilidade dos sujeitos processuais poderem ser sancionados pelo tribunal, por motivo de litigância de má fé; evidencía-se, assim, a existência de responsabilização das partes pelo resultado do processo, através do estabelecimento de uma condenação ao pagamento de custas. Salvaguarde-se que, não obstante parecer uma consequência lógica em sede de qualquer processo de partes, estas não foram imediatamente admitidas pela jurisprudência e pela doutrina dominantes, face às autoridades públicas. Outro aspecto susceptícel de enfoque remete para a cooperação entre as partes e os respectivos mandatários com os magistrados, visando-se uma adequada resolução de litígios (artigo 8º/1) e boa fé entre as partes, evitando diligências e dilações inúteis (artigo 8º/2), cujo incumprimento origina as referidas sanções.
Nesta linha de orientação, também o CPA evidencia que o processo administrativo é um processo de partes, encontrando-se tal subjacente ao disposto nos artigos 9º e ss. Exalta-se, deste modo, que a questão da legitimidade é indissociável da questão da qualidade de parte.
Cabe agora a concretização das consequências práticas do exposto supra; para o efeito apelo, a título de exemplo, à temática do recurso de anulação. Este foi, durante bastante tempo, encarado como uma auto-verificação de legalidade e o acesso ao juíz não pressupunha a afirmação de nenhum direito subjectivo lesado, mas antes da mera existência de um interesse de facto do particular, próximo do da Administração. Esse interesse funcionava como condição de legitimidade, revelando-se sucedâneo de uma posição substantiva de interesse que se visava aniquilar. Antagónico a este Modelo Clássico é o regime jurídico do CPA, que estabelece que a legitimidade provém da alegação da posição de parte na relação material controvertida, ao abrigo dos artigos 9º e ss. Assim, atribuí-se legitimidade em razão da posição dos sujeitos e da alegação de direitos e deveres recíprocos, numa relação jurídica substantiva, prosseguindo o escopo de, ao assegurar uma ligação entre a relação material substantiva e a relação processual, os sujeitos possam ser sujeitos efectivos da relação material. Concretizando o artigo 9º/1, pressupõe-se a titularidade de posições substantivas de vantagem no âmbito da relação jurídica administrativa.
Actualmente já não se justifica realizar a destrinça entre direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos, diferenciação que vingou sobretudo no período da "infância difícil". Neste sentido, Vasco Pereira da Silva defende a inexistência de quaisquer diferenças referentes à natureza destes conceitos, aferindo que, quanto muito, elas existirão ao nível do conteúdo. Deste modo, a regência considera inaceitáveis, num Estado de Direito, os pressupostos que negaram no passado, ao particular, a qualidade de sujeito nas relações administrativas, assim como também discorda de perspectivas teóricas que aludem a "direitos subjectivos de primeira categoria" e "direitos de segunda", ou mesma "terceira ordem". No que diz respeito a aspectos meramente formais, é crucial salvaguardar que os resultados serão idênticos: assim, a lei pode atribuir um direito subjectivo através de uma norma jurídica que o qualifique como posição jurídica de vantagem, situação em que é unânime na doutrina que estejamos perante um um direito subjectivo; também existe um dever na administração quanto ao interesse do particular; delimita-se de forma negativa a posição substantiva de vantagem pela norma jurídica; atribui-se um direito subjectivo mediante disposição constitucional.
Contrariamente à função subjectiva inerente ao disposto no artigo 9º/1, o nº2 do referido artigo evidencía uma função objectiva no seio do Contencioso Administrativo, pois tutela-se a legalidade e o interesse público; neste sentido, consideram-se sujeitos activos do Contencioso Administrativo também o actor público e o actor popular. No primeiro caso, o Contencioso Administrativo desempenha uma função predominantemente subjectiva, de protecção dos direitos dos particulares, assumindo mesmo a natureza de direito fundamental (artigo 268º/4 da CRP); no segundo caso (referente à acção pública e à acção popular), o Contencioso Administrativo adquire uma função sobretudo objectiva, da tutela da legalidade e do interesse público. Porém, salvaguarda-se que no concerne à Justiça Administrativa, esta evidencía actualmente uma natureza jurídica que é sempre subjectiva, na medida em que é exaltada a posição da parte no processo.
No que se refere à legitimidade passiva, o critério é também o da relação material controvertida, considerando-se como partes as entidades públicas, os indivíduos ou as pessoas colectivas privadas, sujeitos às obrigações e deveres simétricos dos direitos subjectivos alegados pelo autor (artigo 10º/1, CPA). Outro aspecto que revela que a Administração tem que ser sempre uma parte incide no facto de nas acções relativas a actos ou omissões administrativas a parte demandada ser ou uma pessoa colectiva de direito público ou, tratando-se do Estado, o ministério que englobe os órgãos face aos quais seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar actos ou observar determinados comportamentos, à luz do disposto no artigo 10º/2 do CPTA.
No que diz respeito à pessoa colectiva pública, Vasco Pereira da Silva defende que o legislador realizou uma escilha infeliz ao considerá-la como sujeito processual paradigmático, ainda que não tenha sido ignorada a intervenção dos órgãos administrativos no processo. Fundamenta esta posição alegando que actualmente o conceito de pessoa colectiva pública não faz sentido enquanto único sujeito de imputação de condutas administrativas, em razão da complexidade da organização administrativa e da natureza versátil das relações jurídicas multilaterais. Neste contexto, evidencía-se fulcral atender a algumas transformações relevantes da Administração Pública no quadro do Estado Pós-social, entre elas: a riqueza da diversidade inerente àqueles que levam a cabo a função administrativa, podendo afirmar-se que já não existe um bloco unitário mas sim uma pluralidade de administrações; a multiplicação de comportamentos decisórios autónomos, que conduziu a um descentramento da actividade administrativa e deixou de ser exercida meramente em torno do Governo; a superação do dogma da impermeabilidade da pessoa jurídica, consequência de relevo crescente nas relações jurídicas inter-orgânicas e intra-orgânicas; o afastamento da teoria das "relações especiais de poder" o que se traduziria no facto de aquilo que ocorrer no interior de uma pessoa colectiva também poder possuir natureza jurídica, exaltando a submissão dessas relações à lei e aos direitos fundamentais.
No seguimento de uma tendência para autonomizar o papel das autoridades admisnistrativas enquanto sujeitos de relações jurídicas , surgem distintos posicionamentos. Assim, uma orientação radical, oriunda da doutrina italiana, revela-se apologista da denominada "dessubjectivação" da organização administrativa, o que se traduziria num abandono dos conceitos tradicionais de pessoa colectiva e de órgão, assim como a autonomização das autoridades públicas sob a denominação de serviços, passando estes a ser os únicos sujeitos administrativos. Antagonicamente, uma orientação de matriz alemã defende a relativização do conceito de pessoa colectiva, remetendo para um noção de capacidade jurídica de que são dotados os órgãos públicos, tornando-os efectivos sujeitos das relações jurídicas administrativas, sem qualquer dispensa formal do conceito de pessoa colectiva pública. Face ao exposto, o ordenamento jurídico português colhe o entendimento de encarar as autoridades administrativas (e não meramente as pessoas colectivas em que elas se integram) como sujeitos de direito, susceptíveis de titularidade de de posições jurídicas activas e passivas; neste sentido, as normas constitucionais referem-se tanto a pessoas colectivas como a órgãos administrativos, de acordo com o disposto nos artigos 266º e ss da CRP, e o mesmo sucede com as normas do CPA referentes a sujeitos administrativos (artigos 13º e ss) que se ocupam exponencialmente de órgãos públicos. Na mesma linha de orientação, Vasco Pereira da Silva conclui que no nosso ordenamento também se tem relativizado o conceito de personalidade jurídica das entidades públicas, dando-se primazia à actuação dos seus órgãos; as autoridades administrativa são, nesta óptica "sujeitos funcionais" de relações jurídicas com capacidade jurídica própria, o que se traduz na aceitação de relações inter-orgânicas. Todavia, a regência aponta uma excepção relativamente ao Estado, considerando que os respectivos actos devem ser imputados aos ministérios em que se integram os órgãos em causa (artigo 10º/2/3 do CPTA); ainda assim, o referido professor reconhece que a solução do legislador é, de um ponto de vista teórico, a mais adequada.
Outra questão relevante incide em determinar se num processo intentado pelo autor contra determinada autoridade administrativa devem também ser chamados a juízo os demais sujeitos da relação multilateral. Em resposta, o legislador da reforma do Contencioso Administrativo, revelando-se consciente da necessidade de considerar os interesses de todos os intervenientes das relações multilaterais, considerou-os sujeitos processuais (artigo 12º, referente à coligação; artigo 48º, que se refere aos processos em massa; artigo 59º, relativo aos contra-interessados). Nesta linha de raciocínio, prevê-se a possibilidade de litisconsórcio voluntário (activo ou passivo), quer em caso de coligação de autores contra um ou vários demandados, evidenciando-se uma única causa de pedir e pedidos distintos numa relação de prejudicialidade ou de dependência (artigo 12º/1/a)); quer na situação de existirem várias causas de pedir mas os pedidos suscitados possuirem idênticos fundamentos de facto e de direito (artigo 12º/1/b)). Quanto aos processos em massa, verifica-se que a protecção dos sujeitos intervenientes é a solução mais eficiente na óptica do funcionamento dos tribunais, não prejudicando a protecção individual. No que respeita à denominação "contra-interessados", Vasco Pereira da Silva manifesta-se pela infelicidade da solução inerente à mesma, sendo que tal revela um forte pendor de carga traumática da infância do Contencioso; assim, no entendimento da regência, os contra-interessados são sujeitos principais da relação jurídica multilateral, enquanto titulares de posições jurídicas de vantagem, conexas com as da Administração, intervindo nesses moldes no Processo Administrativo.

Acto administrativo impugnável – A sua localização no procedimento ( inicio, meio e termo)

O Código de Procedimento Administrativo consagra um conceito material de acto administrativo, artigo 120º do CPA que dispõe que «Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta». Hoje, no nosso ordenamento jurídico há uma conjugação das dimensões da Administração Pública ao longo da História e o que foi considerado acto administrativo, sendo três as mais relevantes, dimensão agressiva, prestadora e infra-estrutural, que dependia do modelo de Estado e da concepção de Administração Pública. A meu ver, uma agradável evolução para todos os particulares e entidades que se relacionam com a Administração O conceito processual de acto administrativo impugnável não coincide com o conceito de acto administrativo. É mais vasto, porque não depende da qualidade administrativa do seu Autor. Inclui não só decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos, como ainda actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Pública – artigo 51º nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA).Há autores que, na sequência da Reforma Administrativa, têm posições relativamente ao preceito do CPTA – (artigo 51º nº1) divergentes. Para o Professor Vasco Pereira da Silva este artigo confere um “alargamento da impugnabilidade dos actos administrativos” contemplando o preceito constitucional do 268º nº 4 Constituição da República Portuguesa (CRP). o Professor Vieira de Andrade entende que o artigo do CPTA só abrange decisões com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo em especial, os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. Pretende excluir aqueles que visem produzir efeitos nas relações internas – actos internos. Para o primeiro autor (Professor Vasco Pereira da Silva) a susceptibilidade de lesão de direitos e eficácia externa são critérios distintos de impugnabilidade dos actos administrativos. O Professor refere que, com o alargamento para a apreciação de actos procedimentais, há “um abandono da “definitividade horizontal” e assim estes podem ser impugnados autonomamente. Para este autor deve-se admitir os efeitos externos e lesivos como também os efeitos internos de preparação de outras decisões, inseridas no procedimento. È irrelevante, a meu ver bem, o facto de o acto ser praticado no inicio, no meio ou no fim do referido procedimento.
Esta situação dá ao interessado duas possibilidades:
· Impugnação imediata (no inicio, meio ou fim) do procedimento;
· Aguardar pela decisão final do procedimento;


Muitas vezes, sucede, nos tribunais a questão de se saber se são impugnáveis decisões administrativas preliminares, tais como pré-decisões, pareceres, vinculações, que determinem peremptoriamente a decisão final de um procedimento com efeitos externos, mas que não tenham elas próprias, capacidade para constituir tais efeitos, que só se produzam através dessa decisão final. Deve considera-se, devido à diversidade de actos administrativos, que também são aqueles que lesem imediatamente os direitos dos particulares independentemente de ser um acto final ou intermédio. O Professor Vasco Pereira da Silva considera que são de afastar noções restritivas de acto administrativo, como referi em supra, justificando a sua posição na não distinção substantiva e processual de actos administrativos.
A nível da doutrina parece não haver unamidade nesta questão. Qual será a posição da jurisprudência? Noção mais restritiva ou mais ampla do acto administrativo impugnável? Na pesquisa de jurisprudência relacionada com o tema abordado nesta reflexão/comentário, encontrei alguns acórdãos que analisam o âmbito de aplicação do artigo51ºnº1doCPTA. Dispõe este preceito legal que «Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.» Da análise dos mesmos, concluí que é irrelevante que o acto administrativo seja ou não definitivo, bem como a sua localização no procedimento. Sendo estes os argumentos utilizados pela recorrente na sua intenção de impugnar o acto, ( acto de autorização de abertura de um concurso). E sendo os contra-argumentos utilizados, nomeadamente, que o acto impugnado não reveste as características de impugnabilidade enunciadas no artigo 51ºnº1 do CPTA. Deve ser considerado como um acto interno de execução de normas e que assume natureza legislativa. Quanto a este acto, terá eficácia externa aquando da atribuição de licenças de instalação do Cartório Notarial. Evocam a violação do artigo 268º nº 4 da CRP.
De todos estes argumentos o que considerar? Será um acto de autorização de abertura de um concurso um acto susceptível de lesar direitos? Ou é um acto interno que não contém lesão para os particulares porque só é condição necessária à abertura do concurso?
A meu ver, deve entender-se como impugnável um acto administrativo, ainda que num procedimento administrativo preliminar, de execução, desde que haja a susceptibilidade de lesar direitos ou interesses protegidos. E não só o acto administrativo “definitivo”, para bem da efectivação do preceito Constitucional, artigo 268º nº4 CRP.
Deixando sempre a possibilidade ao interessado de escolher, na medida que seja mais conforme aos seus interesses, em qualquer momento a impugnação do acto, esteja o seu procedimento no inicio, no meio ou no fim.

Acórdão

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7826e38f55fd52b7802576a1003fa863?OpenDocument




Joana Morgadinho Bento
Nº 16673. Subturma 7

O recurso hierárquico necessário é, mesmo, necessário?

O acórdão referente ao processo n.º 0701STA vem levantar uma questão bastante discutida na doutrina e na jurisprudência: O recurso hierárquico necessário é, mesmo, necessário? Apesar da alteração legislativa o contencioso administrativo não tem sabido a “gregos e a troianos”.

Inicialmente, a lei de processo dos tribunais administrativos previa que os actos administrativos fossem definitivos e executórios, isto é, actos que, pondo fim a um procedimento administrativo, decidissem autoritariamente uma situação jurídica individual e concreta, culminando-o nos planos horizontal, vertical e material.

O primeiro abalo que este regime sofreu foi com a revisão constitucional de 1989, onde foi dada uma nova redacção ao artigo 284.º, n.º4 CRP, afirmando-se assim que a recorribilidade já não dependia da definitividade dos actos, mas antes da sua de lesão efectiva provocada por aqueles (os actos teriam de ser lesivos dos direitos e interesses legítimos dos seus destinatários).

Esta alteração para a generalidade da doutrina e jurisprudência não significou a consagração do direito à imediata impugnação judicial dos actos lesivos, visto ser constitucionalmente admissível impor ao administrado o prévio esgotamento das vias administrativas (graciosas) como forma de acesso aos meios contenciosos. Assim sendo, o novo art.º 284.º, n.º 4 CRP, nas palavras do referido acórdão, em nada ou quase nada mudou o “status quo” do regime então vigente.

O CPTA, mormente através do seu artigo 51.º, n.º 1, fez com que se questionasse todos os actos com eficácia externa poderiam ser imediata e judicialmente impugnável, ou seja, se passaria a haver uma desnecessidade do recurso hierárquico necessário?

O pleno da secção administrativa do Supremo Tribunal veio afirmar que este artigo convive perfeitamente com a existência de impugnação administrativa necessária em duas situações:

· Quando a lei expressamente o disser;
· Em todos os casos anteriores ao CPTA.

Esta afirmação teve vários votos vencidos. Esta decisão é justificada pela não revogação das múltiplas disposições avulsas que obrigam ao recurso hierárquico necessário. A regra geral contida no art. 61.1 CPTA será, assim, inaplicável sempre que houver determinação legal expressa (anterior ou posterior ao CPTA) que preveja a necessidade de impugnação administrativa como pressuposto da impugnação contenciosa.

Vozes concordantes com a do acórdão são a dos Professores Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade. Para estes Professores, como o CPTA deixa de fazer qualquer referência ao requisito da definitividade e também não contem nenhuma disposição equivalente ao art. 34 da LPTA, que se referia às impugnações administrativas necessárias como pressuposto de impugnabilidade dos actos administrativos, deixa de fazer sentido falar desta necessidade.

Isto resulta, também, das soluções consagradas nos artigos 51º e 59.4 e 5 do CPTA. Contudo, o CPTA não tem o objectivo de revogar as múltiplas denominações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias, disposições essas que so poderiam desaparecer mediante disposição expressa que determinasse que todas elas se consideravam extintas.

Posição contrária à destes autores é a do Prof. Vasco Pereira da Silva. Além de ser um fiel defensor da tese da inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário, refere que se a razão de ser do recurso hierárquico necessário era a de permitir a impugnação do acto administrativo e se agora se consagra sempre a possibilidade de impugnação contenciosa imediata da decisão administrativa, independentemente da via administrativa prévia e do respectivo efeito suspensivo, não faz nenhum sentido que se mantenha o recurso hierárquico necessário. O professor refere, ainda, que o recurso hierárquico passou a ser sempre “desnecessário”.

Relativamente ao argumento utilizado pelos Professores Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, sobre a não revogação das “regras especiais”, contra-ataca o Prof. Vasco Pereira da Silva com o argumento de que se assim fosse, seria então forçoso concluir que, antes da reforma, tais normas ditas “especiais” não possuíam especialidade alguma, já que eram apenas a confirmação ou a reinteração da “regra geral” da impugnação hierárquica necessária.

Além disso, se o CPA agora estabelece que garantia prévia não é mais um pressuposto processual, isso significa que a exigência do recurso hierárquico em normas avulsas deixa de ter consequências contenciosas, pelo que se deve considerar que (pelo menos, nessa parte) tais normas caducam pelo desaparecimento das circunstâncias de direito que as justificavam.

Não há nada mais desnecessário do que continuar a exigir uma garantia administrativa prévia, quando tal exigência deixou de ser um pressuposto de impugnação dos actos administrativos.

Em nosso entender, a posição do docente da cadeira, Prof. Vasco Pereira da Silva, parece-nos ser a mais acertada, na medida em que se do próprio CPTA art. 59.4 e 5º resulta que pode haver impugnação contenciosa durante a pendência da impugnação graciosa, tal significa que há uma total desnecessidade do recurso hierárquico necessário. Assim sendo, não concordamos com a decisão proferida neste acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Leonor Fanha Vieira – 15984, sub-turma 10
Joana Cadete Pires – 16674, sub-turma 6