terça-feira, 27 de abril de 2010

O recurso hierárquico necessário é, mesmo, necessário?

O acórdão referente ao processo n.º 0701STA vem levantar uma questão bastante discutida na doutrina e na jurisprudência: O recurso hierárquico necessário é, mesmo, necessário? Apesar da alteração legislativa o contencioso administrativo não tem sabido a “gregos e a troianos”.

Inicialmente, a lei de processo dos tribunais administrativos previa que os actos administrativos fossem definitivos e executórios, isto é, actos que, pondo fim a um procedimento administrativo, decidissem autoritariamente uma situação jurídica individual e concreta, culminando-o nos planos horizontal, vertical e material.

O primeiro abalo que este regime sofreu foi com a revisão constitucional de 1989, onde foi dada uma nova redacção ao artigo 284.º, n.º4 CRP, afirmando-se assim que a recorribilidade já não dependia da definitividade dos actos, mas antes da sua de lesão efectiva provocada por aqueles (os actos teriam de ser lesivos dos direitos e interesses legítimos dos seus destinatários).

Esta alteração para a generalidade da doutrina e jurisprudência não significou a consagração do direito à imediata impugnação judicial dos actos lesivos, visto ser constitucionalmente admissível impor ao administrado o prévio esgotamento das vias administrativas (graciosas) como forma de acesso aos meios contenciosos. Assim sendo, o novo art.º 284.º, n.º 4 CRP, nas palavras do referido acórdão, em nada ou quase nada mudou o “status quo” do regime então vigente.

O CPTA, mormente através do seu artigo 51.º, n.º 1, fez com que se questionasse todos os actos com eficácia externa poderiam ser imediata e judicialmente impugnável, ou seja, se passaria a haver uma desnecessidade do recurso hierárquico necessário?

O pleno da secção administrativa do Supremo Tribunal veio afirmar que este artigo convive perfeitamente com a existência de impugnação administrativa necessária em duas situações:

· Quando a lei expressamente o disser;
· Em todos os casos anteriores ao CPTA.

Esta afirmação teve vários votos vencidos. Esta decisão é justificada pela não revogação das múltiplas disposições avulsas que obrigam ao recurso hierárquico necessário. A regra geral contida no art. 61.1 CPTA será, assim, inaplicável sempre que houver determinação legal expressa (anterior ou posterior ao CPTA) que preveja a necessidade de impugnação administrativa como pressuposto da impugnação contenciosa.

Vozes concordantes com a do acórdão são a dos Professores Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade. Para estes Professores, como o CPTA deixa de fazer qualquer referência ao requisito da definitividade e também não contem nenhuma disposição equivalente ao art. 34 da LPTA, que se referia às impugnações administrativas necessárias como pressuposto de impugnabilidade dos actos administrativos, deixa de fazer sentido falar desta necessidade.

Isto resulta, também, das soluções consagradas nos artigos 51º e 59.4 e 5 do CPTA. Contudo, o CPTA não tem o objectivo de revogar as múltiplas denominações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias, disposições essas que so poderiam desaparecer mediante disposição expressa que determinasse que todas elas se consideravam extintas.

Posição contrária à destes autores é a do Prof. Vasco Pereira da Silva. Além de ser um fiel defensor da tese da inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário, refere que se a razão de ser do recurso hierárquico necessário era a de permitir a impugnação do acto administrativo e se agora se consagra sempre a possibilidade de impugnação contenciosa imediata da decisão administrativa, independentemente da via administrativa prévia e do respectivo efeito suspensivo, não faz nenhum sentido que se mantenha o recurso hierárquico necessário. O professor refere, ainda, que o recurso hierárquico passou a ser sempre “desnecessário”.

Relativamente ao argumento utilizado pelos Professores Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, sobre a não revogação das “regras especiais”, contra-ataca o Prof. Vasco Pereira da Silva com o argumento de que se assim fosse, seria então forçoso concluir que, antes da reforma, tais normas ditas “especiais” não possuíam especialidade alguma, já que eram apenas a confirmação ou a reinteração da “regra geral” da impugnação hierárquica necessária.

Além disso, se o CPA agora estabelece que garantia prévia não é mais um pressuposto processual, isso significa que a exigência do recurso hierárquico em normas avulsas deixa de ter consequências contenciosas, pelo que se deve considerar que (pelo menos, nessa parte) tais normas caducam pelo desaparecimento das circunstâncias de direito que as justificavam.

Não há nada mais desnecessário do que continuar a exigir uma garantia administrativa prévia, quando tal exigência deixou de ser um pressuposto de impugnação dos actos administrativos.

Em nosso entender, a posição do docente da cadeira, Prof. Vasco Pereira da Silva, parece-nos ser a mais acertada, na medida em que se do próprio CPTA art. 59.4 e 5º resulta que pode haver impugnação contenciosa durante a pendência da impugnação graciosa, tal significa que há uma total desnecessidade do recurso hierárquico necessário. Assim sendo, não concordamos com a decisão proferida neste acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Leonor Fanha Vieira – 15984, sub-turma 10
Joana Cadete Pires – 16674, sub-turma 6

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