segunda-feira, 12 de abril de 2010

Tarefa 2 - A Legitimidade Processual : O Particular como parte no Processo.


Os sujeitos são um elemento essencial em qualquer domínio do processo, assumindo a legitimidade processual numerosas especificidades no âmbito do contencioso administrativo.
Enquanto pressuposto processual, a legitimidade encontra-se indissociavelmente ligada à qualidade de parte.
A discussão acerca da definição das posições jurídicas substantivas dos particulares face à administração pode parecer não ter qualquer tipo de relevância na determinação do conceito de legitimidade processual, mais precisamente do conceito de legitimidade activa. No entanto tem, e é da maior importância prática, sendo que como afirma o Professor Vasco Pereira da Silva no seu Manual Para um Contencioso Administrativo dos Particulares – Esboço de uma Teoria Subjectivista do Recurso Directo de Anulação, “ o entendimento do particular como titular de posições jurídicas substantivas face à Administração vai implicar uma mudança do modo de considerar a figura da legitimidade processual”.
Neste sentido, é possível apontar seis teses quanto ao modo de conceber as posições de vantagem dos particulares em relação à Administração:


As posições dos particulares são uma mera situação de facto que confere aos indivíduos legitimidade processual, uma vez que possuem um interesse próximo da Administração (Posição defendida por Laferriére e Hauriou).
Esta concepção nasceu com o sistema contencioso de tipo francês, através da consideração do recurso como um processo a um acto, isto é, implicava que o particular não defendesse nenhum direito no processo, nem pudesse agir como uma parte em sentido material.
“A posição do particular do processo não é a de titular de um direito subjectivo violado, mas a de um simples interesse amarrotado (intérêt troissé)”, segundo Hauriou.
A finalidade do recurso de anulação não era a protecção do indivíduo face à Administração, apenas o modo de esta controlar a legalidade dos seus actos servindo-se da ajuda do particular.
Desta forma, é o particular que está ao serviço do processo administrativo e não o inverso.

São um “direito à legalidade” ou um “direito reflexo” que os indivíduos fazem valer no processo (Posição defendida por Bonnard, Jellinek e pelo Professor Marcello Caetano).
É a posição da Escola Subjectivista francesa, defendida em Portugal pelo Professor Marcello Caetano que, citando Bonnard, o direito subjectivo é o “poder dos particulares de exigir dos órgãos e agentes da Administração a observância estrita dos preceitos legais que os vinculam” que serve ao mesmo tempo “ os interesses privados dos particulares e o interesse público de uma Administração submissa à lei”.
Contudo, ainda se vai defender na esteira de Jellinek, a existência de uma noção objectiva de direitos subjectivos, os “direitos reflexos”: as posições de vantagem atribuídas pela lei aos particulares são-no apenas porque a lei o quer e enquanto ela o quiser.
São “direitos reflexos” porque o conteúdo coincide com a lei objectiva, ficando na disponibilidade dela.

Existem duas modalidades de posições jurídicas distintas, os direitos subjectivos e os interesses legítimos, consoante o poder de vantagem do indivíduo resulte imediata e intencionalmente da norma jurídica ou, seja atribuído apenas de forma imediata (Posição defendida pelo Professor Freitas do Amaral).
Na opinião do Professor Freitas do Amaral, “ em ambas as figuras existe sempre um interesse privado reconhecido e protegido pela lei”. A diferença reside no facto de no direito subjectivo a protecção é directa e imediata, tendo o particular a faculdade de exigir à Administração Pública um comportamento que satisfaça plenamente um seu interesse privado, enquanto que no interesse legítimo, a protecção em causa é apenas indirecta, sendo que o particular apenas tem a faculdade de exigir à Administração um comportamento que respeite a legalidade.
Em suma, o direito subjectivo é um direito à satisfação de um interesse próprio, e o interesse legítimo um direito à legalidade das decisões que incidam sobre um interesse próprio.

Existem duas modalidades de direitos subjectivos e interesses legítimos que se distinguem consoante se trate ou não de uma situação dependente do exercício do poder administrativo (Posição defendida por Nigro e Machete).

Existem duas modalidades de posições jurídicas distintas, mas que se caracterizam agora por direitos subjectivos “clássicos” ou “activos” e por direitos subjectivos “novos” ou “reactivos” (Posição defendida por Enterría e Rui Medeiros).

Apenas existe uma única categoria de situações jurídicas dos particulares, a dos direitos subjectivos (Posição defendida por Maurer, Badura, e pelo Professor Vasco Pereira da Silva).
Nos termos da Teoria da Norma de Protecção, a atribuição de direitos aos indivíduos pelo ordenamento jurídico, pode ocorrer de duas maneiras: mediante a expressa atribuição de um direito ou mediante a imposição de um dever.
Para que exista um direito subjectivo é necessário que a norma jurídica preencha três requisitos:
- Carácter vinculativo, excluindo a discricionariedade da Administração;
- Ter sido emitida para protecção dos direitos dos particulares;
- A sua atribuição tenha como efeito o facto de os interessados poderem recorrer por causa dela a meios destinados a obter uma determinada conduta por parte dos órgãos administrativos,

Assim, dela tem de resultar uma situação de vantagem objectiva concedida de forma intencional.

Porque motivo existem várias querelas doutrinárias relativamente a um assunto aparentemente tão simples como a legitimidade activa?
Se atentarmos aos artigos 9º e 55º do CPTA, deparamo-nos com duas normas acerca da legitimidade activa, sendo pouco explícitas e em alguns aspectos contraditórias, não se percebendo o que o legislador terá querido dizer com “interesse directo e pessoal”, soltando deste modo as amarras da imaginação doutrinária.
O que significa a expressão “interesse directo e pessoal”?
Na lógica clássica, ao negar-se ao particular a qualidade de parte no recurso de anulação, a legitimidade do indivíduo não era determinada pela relação jurídica material com a Administração, mas variava consoante a maior ou menor abertura da política seguida pelo tribunal.
Assim, desde cedo a doutrina procurou definir critérios para a determinação do interesse como condição de legitimidade.
Na opinião de Hauriou, o interesse do particular para intervir no processo deve ser directo, pessoal e legítimo.
- Directo: O interesse tem de ser actual e não meramente eventual, porque a anulação do acto em causa deve ter como fundamento a satisfação imediata ao reclamante e não longínqua.
- Pessoal: O interesse não se deve confundir com o interesse inerente a uma acção popular: deve ser uma situação do particular (e apenas dele) em face do acto que este quer anulado.
- Legítimo: O interesse deve resultar de uma situação jurídica definida em face da Administração.

No entendimento do Professor Vieira de Andrade, a “acção particular” prevista no artigo 55º/1 a) do CPTA, pode ser intentada por quem alegue ser titular de um potencial benefício, isto é, quem retirar imediatamente da anulação ou declaração de nulidade um qualquer benefício específico para a sua esfera jurídica.
Em virtude da última reforma do Contencioso Administrativo, deixou de se exigir que o interesse seja “legítimo”. Tal mudança teve como intuito acentuar a ideia de que basta um interesse de facto para que o particular possa intentar a acção pretendida e, não se exigindo sequer a titularidade por aquele de um interesse legalmente protegido.
Desta forma, é titular de um “interesse directo” quem retire de forma imediata um qualquer benefício da acção e, é titular de um “interesse pessoal” quem retire esse benefício para a sua esfera jurídica mesmo que não invoque a titularidade de uma posição jurídica subjectiva lesada.
No mesmos sentido, o Professor Mário Aroso de Almeida, afirma que “a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas basta a circunstância de o acto estar a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de modo que a anulação ou a declaração de nulidade desse acto traz, pessoalmente a ele uma vantagem imediata”.

Por outro lado, o Professor Vasco Pereira da Silva refere que o que está em causa no artigo 55º/1 a) do CPTA, é o exercício do direito de acção por privados que, defendem os seus interesses próprios, mediante a alegação de uma “titularidade de posições subjectivas de vantagem” em face da Administração Pública.
O “interesse pessoal e directo” corresponde ao direito subjectivo em sentido amplo, rejeitando o Professor a distinção tradicional tripartida que separa direitos subjectivos em sentido restrito, interesses legítimos e interesses difusos, ou os denominados direitos de 1ª, 2ª e 3ª categoria.

Quando a norma do artigo 55º do CPTA refere “interesses directos e pessoais” tal significa que gozam da acção para defesa de interesses próprios todos os indivíduos que demonstrem ser titulares de uma posição jurídica de vantagem, ou sejam parte na relação material controvertida. Isto porque, o carácter pessoal e legítimo do interesse é uma mera decorrência lógica do direito subjectivo que o particular faz valer no processo.
O interesse é pessoal, porque o particular alega ser titular de um direito que se encontra na sua esfera jurídica e que foi lesado por uma conduta ilegal da Administração, e é legítimo porque esse direito lhe foi conferido pelo ordenamento, através de uma norma atributiva de um direito, ou através da imposição, em seu benefício, de um dever à Administração.

Estas duas doutrinas conduzem a resultados totalmente distintos:
Por um lado, a posição defendida pelos Professores Vieira de Andrade e Mário Aroso de Almeida traduz uma concepção mais ampla de legitimidade activa processual, aferida pelo interesse directo e pessoal dos particulares, podendo consistir num direito subjectivo, num interesse legalmente protegido ou num potencial benefício na procedência da acção.
Esta tese possibilitaria em princípio, uma maior protecção dos particulares contra a actividade administrativa, contudo poderia por em causa o próprio fim da “acção popular”, ou seja, transformaria o contencioso dos particulares numa gigantesca acção popular.
Por outro lado, a teoria subjectivista do Professor Vasco Pereira da Silva conduz a uma legitimidade processual mais restrita, mais limitada, pois apenas a possuem aqueles que sejam titulares de posições subjectivas de vantagem em face da Administração, ou que sejam partes na relação material controvertida.

Na vida prática, é muito difícil para o juiz determinar um critério legal suficientemente preciso, deste modo, ele terá de analisar casuisticamente cada situação controvertida de forma a determinar se está ou não em causa um interesse directo e pessoal.

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