sexta-feira, 19 de março de 2010

A Feliz Infância do Sistema Administrativo Britânico


Caros colegas,

Em virtude da tarefa lançada pelo Professor Vasco Pereira da Silva, venho desta forma fazer uma análise comparativa do Sistema Britânico e do Sistema Francês, que ilustrará as suas principais características, permitindo-nos delinear as grandes diferenças que existem entre estas duas correntes jurídico-administrativas.

Até às Revoluções liberais, vigorava o denominado Sistema Administrativo tradicional que assentava na ausência de separação de poderes e, na inexistência de um Estado de Direito.
Depois do período das Revoluções liberais, surgiram os Sistemas Administrativos Modernos que se pautavam pelo Princípio da Separação de Poderes e pela existência de um Estado de Direito.
A implementação dos Sistemas Administrativos Modernos vai dar origem a dois subsistemas: o sistema de tipo britânico e o sistema de tipo francês.
Estes dois sistemas administrativos tiveram experiências históricas totalmente diferentes e em virtude dessas mesmas experiências, um deles irá ter uma infância feliz, enquanto o outro irá passar por uma infância difícil, altamente traumática.
O Sistema Anglo-Saxónico (Criança Britânica) caracterizou-se por uma verdadeira separação de poderes, onde o Rei foi impedido de resolver questões de natureza contenciosa devido à abolição da Star Chamber em 1641.
Os juízes ganharam grande independência face ao monarca, que deixou de ter a discricionariedade de os poder demitir ou transferir, com a criação do Act of Setllement em 1701.
Os cidadãos britânicos viram os seus direitos, liberdades e garantias consagrados através do Bill of Rights em 1689, determinando igualmente que o Direito Comum seria aplicável a todos os ingleses estipulando, desta forma, um autêntico rule of law.
Deste então, o Rei ficou subordinado ao direito consuetudinário resultante de costumes sancionados pelos Tribunais (common law).
Pelo contrário, em França, a história era outra: com a Revolução Francesa foi proclamado expressamente o Princípio da Separação de Poderes, separando a Administração da Justiça, enunciando-se também os direitos subjectivos públicos invocáveis pelo cidadão contra o Estado, tendo sido construído um aparelho administrativo unitário eficaz (obras de Napoleão), ao passo que a Criança Britânica praticava a distinção entre a Administração Central (central government) e a Administração local (local government), em que as autarquias locais gozavam de uma grande autonomia, sendo encaradas como verdadeiros governos locais.
Por outro lado, a Administração ficou sujeita ao controlo jurisdicional dos Tribunais Comuns (courts of law), contrariamente à Criança Francesa que se caracterizava por ter tribunais específicos, os tribunais administrativos, onde seriam resolvidos os litígios entre os particulares e a Administração Pública.
Assim, existia somente um Sistema, para o Estado e para os particulares: os litígios que eventualmente surgissem entre as entidades administrativas e os particulares, não eram da competência de tribunais específicos, mas sim da competência dos tribunais comuns.
Em consequência do Rule of Law, que assentava na igualdade de todos perante a lei e, na sujeição da Administração ao direito comum definido e aplicado pelos tribunais comuns, ou seja, a administração não dispunha, em regra, de qualquer tipo de privilégios e, como tal, não podia executar as suas decisões por autoridade própria, no mundo da Criança Francesa, a Administração Pública dispunha quer de poderes de autoridade, quer de privilégios, em virtude de exercer funções de interesse público. Deste modo, em França entendia-se que a Administração ao prosseguir o interesse público podia sobrepor-se aos interesses dos particulares em conflito.
A Criança Francesa conferia à Administração Pública poderes exorbitantes sobre os cidadãos, nomeadamente o denominado privilégio da execução prévia (privilége du préable e privilége de l’execution d’office), que permitia à Administração executar as suas decisões por autoridade própria. Neste sentido e, atendendo às palavras de Dicey, a Criança Britânica protegia muito mais e melhor os cidadãos contra os excessos cometidos pela Administração Pública, enquanto a Criança Francesa criava desigualdades que beneficiavam a Administração em detrimento dos particulares.
Quando às garantias jurídicas dos particulares, no mundo da Criança Britânica, elas existiam, nomeadamente contra as ilegalidades e abusos da Administração Pública, gozando os Tribunais comuns de plena jurisdição face à Administração. Contudo, também a Criança Francesa oferecia aos particulares garantias jurídicas contra o abuso da Administração, mas estas pelo contrário, eram efectivadas através de tribunais administrativos e não por tribunais comuns.
Pelo que foi exposto, conseguimos compreender a razão pela qual a Criança Britânica não passou por uma infância difícil, pois não vivenciou as experiências traumáticas da Criança Francesa, nomeadamente a criação de um tribunal privativo para a Administração ou a criação de um ramo de direito destinado a afirmar privilégios exorbitantes dos poderes públicos.
Apesar de ter tido uma infância feliz, a Criança britânica vai enfrentar problemas de afirmação e distúrbios de personalidade com o surgimento da Administração Prestadora, que vai conduzir inevitavelmente à aproximação destes dois Sistemas.
Assim, com a transição do Estado Liberal para o Estado Social de Direito, em Inglaterra vão aparecer muitas normas administrativas, em virtude da intervenção dos poderes públicos na vida económica, social e cultural.
Neste contexto, surge uma nova entidade, os Administrative Tribunals, que não são tribunais administrativos, mas sim órgãos administrativos independentes criados junto da Administração Central para decidir questões de direito administrativo, que a lei manda resolver por critérios de legalidade estrita e fazendo preceder a decisão administrativa de um due processo of law no respeito do Princípio do Contraditório e com recurso para os tribunais comuns.
Em França, por outro lado, aumentaram as relações entre os particulares e o Estado submetidas à fiscalização dos tribunais judiciais.
A Criança Britânica tornou-se deste modo mais centralizado e a Criança Francesa foi perdendo o seu carácter de absoluta centralização.
A grande diferença que ainda se mantém relativamente a estes dois Sistemas, na opinião de Dicey prende-se com o tipo de controlo jurisdicional da Administração: em Inglaterra existe uma subordinação dos litígios entre a Administração Pública e particulares aos courts of law, enquanto em França esses litígios encontram-se subordinados aos Tribunaux Administratifs.
Necessário é de salientar em conclusão que, apesar das várias diferenças, ambos os países em apreço, se dotaram da mais moderna instituição de protecção dos particulares face à Administração Pública.
Ana Isabel Mendes Silva, sub-turma 7

1 comentário:

  1. Ana, se for possível, volta a escrever a realização desta tarefa 1 em modo de comentário à proposta de tarefa do Professor VPS.
    Porque têm de ser os próprios autores a introduzir o texto como comentário.
    Obrigada!

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