quinta-feira, 8 de abril de 2010

O Tribunal Constitucional e a margem de discricionariedade da Adminsitração

Caros docentes e colegas,

No âmbito do observatório da realidade aqui vos deixo uma parte de um acórdão recente do Tribunal Constitucional (TC) relativo a prazos de interposição de recursos. Para a nossa disciplina de Contencioso Administrativo releva essencialmente a referência que se faz ao princípio da legalidade, deixando o TC bem claro que nesta situação de fixação de prazos de interposição de recursos e na escolha dos meios para o fazer (neste caso por via electrónica) a Administração (AP) goza de uma margem de discricionariedade, não pondo a sua actuação em causa o princípio da legalidade. Para além disto é interessante a referência que se faz nos últimos parágrafos entre o princípio da segurança jurídica, na vertente da tutela da confiança.


"Acórdão n.º 48/2010
Processo n.º 692/09
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1 — Francisco Manuel Magalhães Santos Silva interpôs recurso hierárquico para o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde de uma decisão disciplinar que lhe fora aplicada pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, tendo remetido a respectiva petição, por correio electrónico, às 21 horas e 14 minutos do último dia do prazo legalmente previsto.
O recurso foi rejeitado, por intempestividade, por se ter entendido que a expedição da petição de recurso hierárquico por correio electrónico já depois do termo do horário de funcionamento dos serviços competentes para o seu recebimento e registo, é extemporânea, face ao disposto no artigo 26.º, n.º 2, do Decreto -Lei n.º 135/99, de 22 de Abril.

Dessa decisão, o recorrente interpôs recurso contencioso de anulação para o Tribunal Central Administrativo, sustentando que a interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 135/99 de 22 de Abril, no sentido de que é extemporâneo o recurso hierárquico enviado por correio electrónico dentro do último dia do prazo, mas depois do encerramento dos serviços administrativos, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 2.º, 3.º, 266.º e 268.º da Constituição da República.
Tendo sido julgado improcedente o recurso, o recorrente interpôs recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 18 de Junho de 2009, confirmou o julgado.
O recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b), c) e f), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das normas dos artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, e 3° do Decreto -Lei n.º 290 -D/99, de 2 de Agosto, bem como do artigo 77.º do Código do Procedimento Administrativo, quando interpretadas no sentido de que a correspondência enviada por correio electrónico fora do horário de expediente normal deve considerar -se apresentada no dia útil seguinte.

Com efeito, a possibilidade de transmissão de correspondência por via electrónica, incluindo a prática de actos no âmbito do procedimento administrativo, tem sobretudo em vista, numa perspectiva de modernização administrativa, como resulta do preâmbulo do diploma de 1999,
garantir uma maior aproximação dos cidadãos à Administração e facilitar o acesso aos serviços, contribuindo para a desburocratização do funcionamento do aparelho administrativo.
Essa possibilidade constitui, por si só, uma vantagem para os administrados, que ficam, desse modo, dispensados de utilizar os métodos tradicionais de apresentação e envio de requerimentos ou petições, e poderão fazer chegar o seu expediente ao destinatário de forma instantânea
e expedita, mesmo fora do horário de abertura ou de encerramento dos serviços.
A circunstância de o legislador não ter previsto para o procedimento administrativo a adaptação de um sistema idêntico ao do processo civil, para efeito de poder considerar -se como validamente praticado no dia da expedição o acto apresentado por correio electrónico após o encerramento dos serviços, representa uma mera opção legislativa que, em si, não é susceptível de violar o princípio da legalidade, tal como está consagrado nos artigos 3.º e 266.º da Constituição, ou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, a que alude o artigo 268.º, n.º 4.
De facto, a relevância atribuída à prática de actos procedimentais apresentados por correio electrónico, na interpretação normativa feita pelo tribunal recorrido, é uma das soluções legislativas possíveis, que igualmente poderia ter sido adoptada para o processo civil, e que atende preferencialmente à igualdade substancial entre os sujeitos da relação jurídica administrativa quando utilizem diferentes meios de comunicação
com a Administração. A escolha dessa solução não impediu o interessado de obter na jurisdição administrativa uma tutela adequada dos seus direitos ou interesses legítimos (mormente por via da prévia impugnação administrativa necessária), quando é certo que nada obstava a que pudesse enviar a petição de recurso hierárquico por meio
electrónico dentro do horário normal do serviço destinatário, para que o acto pudesse considerar-se, nos termos da lei, praticado dentro do prazo fixado para a sua interposição.
A limitação dos efeitos do envio de requerimentos por via electrónica ao período de funcionamento dos serviços, quando o acto tenha sido praticado no último dia do prazo, é idêntica à estabelecida para outros meios de comunicação administrativa, incluindo o envio postal, e, nestes termos, não pode entender -se como constituindo uma condicionante ao exercício do direito ao recurso desprovida de fundamento racional ou de conteúdo útil.
Não se vê, por outro lado — nem o recorrente explica — , em que termos é que a interpretação normativa em causa pode implicar uma violação ao princípio da legalidade, entendido este como um princípio de subordinação das autoridades públicas à lei em geral, sabendo -se que não deixaram de ser as referidas disposições dos artigos 77.º do CPA e 26.º do Decreto -Lei n.º 135/99, enquanto preceitos integrantes da ordem jurídica, que, no caso, serviram como fundamento e pressuposto da actuação administrativa.
A argumentação do recorrente parece, todavia, ter tido essencialmente em vista a violação do princípio da protecção da confiança, como vertente do princípio da segurança jurídica ínsito no artigo 2.º da Constituição, que resultaria do facto de Estado ter implementado um sistema de
comunicação dos cidadãos com a Administração por via electrónica, sem concomitantemente adaptar o regime de recepção nos serviços administrativos à maior amplitude temporal com que o acto pode, por esse meio, ser praticado.
O Tribunal Constitucional tem já afirmado o entendimento de que o princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e
de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à consideração de que «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança jurídica que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» (entre outros, o acórdão n.º 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., p. 65). E nesse sentido considerou já que ocorre tal violação em casos em que as partes conformaram a sua actuação processual de acordo com determinadas regras de processo — ou determinadas interpretações dessas regras — e depois se viram confrontadas com regimes com os quais não contavam, e que se entendeu afectarem de forma intolerável a confiança depositada no outro regime (Acórdãos n.os 287/90, 559/98, 39/2004 e 44/2004).
Não é, no entanto, essa a situação vertente. A abertura do legislador à utilização de meios alternativos à transmissão de correspondência ou à apresentação de actos procedimentais não tem como efeito necessário a abolição das regras relativas à contagem dos prazos. Estão aqui essencialmente em causa duas ordens de interesses que o legislador pode avaliar em termos distintos: de um lado, está a vantagem de os serviços, por razões de aproximação dos cidadãos à
Administração e de maior eficiência administrativa, disponibilizarem um endereço de correio electrónico para efeito de contacto por parte dos cidadãos e de entidades públicas e privadas; de outro, está a regulação dos efeitos da prática dos actos em suporte digital na marcha do procedimento administrativo.
O legislador processual civil, de modo a concretizar de forma mais célere o projecto de desmaterialização dos processos judiciais e implementar novos instrumentos de organização do trabalho nos tribunais, pode ter considerado vantajoso incentivar o uso da transmissão electrónica de actos processuais pelos operadores judiciários, concedendo um alargamento do prazo da prática dos actos processuais até às 24 horas do dia da expedição. Idêntica razão de política legislativa pode não operar, ou não operar com a mesma acuidade, para o procedimento administrativo, em que está essencialmente em causa a introdução de mecanismos de desburocratização administrativa. Em qualquer caso, não era expectável para o interveniente no procedimento administrativo que a simples possibilidade de apresentação de actos por correio electrónico pudesse desde logo significar que esses actos fossem tidos como validamente praticados independentemente do horário de funcionamento dos serviços.
Tanto mais que, contrariamente
ao que sucedeu com a redacção do artigo 143.º, n.º 4, do CPC, a norma do artigo 26.º, n.º 2, do Decreto -Lei n.º 135/99 limitou -se a atribuir à correspondência transmitida por via electrónica o mesmo valor da trocada em suporte de papel, logo inculcando a ideia de que a utilização de meios informáticos apenas confere ao interessado uma igualdade de tratamento em relação a outro meio alternativo de comunicação."


O link do acórdão em questão:

http://www.dgpj.mj.pt/sections/noticias/acordao-do-tribunal/downloadFile/file/Acordao.pdf?nocache=1268649650.19



Bom trabalho,

Helena Casqueiro, aluna nº 16628 subturma 7

1 comentário:

  1. Bem visto Helena. Obrigada por partilhar com todos.

    Não há quem queira fazer uma breve anotação a este acórdão?

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