terça-feira, 30 de março de 2010

Primeira tarefa: Administração judiciária e administração executiva

(...) in England, where no serious attempt has been made to classify the law
in accordance with the relations which it governs, the term administrative law
is almost meaningless.
While we speak with perfect propriety of administrative as indicative of function
of government, and of the administration as indicative of a function of government,
and of the administration as an executive organization, there is hardly an american
or english lawyer who would recognize the existence of branch of law called administrative
law."

Frank J. Goodnow ("Comparative administrative law")

Bem, para começarmos este ensaio vamos, como bom anfitrião, apresentar o nosso "amigo" mais distante para ele ficar à vontade, neste caso o sistema de justiça administrativo britânico.
Este nosso amigo, que foi apelidado por Hauriou, de administração judiciária tem múltiplas diferenças em relação ao nosso bem conhecido "primo direito", que é o sistema de administração executiva ou francês.
Nos sistemas de administração judiciária ou de tipo britânico, no que diz respeito à justiça administrativa, este é caracterizado por a administração pública estar submetida ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns (courts of law), embora em Inglaterra tenham surgido inúmeros administrative tribunals, estes não são em nada semelhantes a tribunais administrativos e a administração continua basicamente sujeita aos tribunais comuns.
Outro traço característico deste sistema diz respeito ao facto de a administração estar sujeita ao direito comum, pois, isto foi consequência do rule of law e, deste modo, tanto sua majestade como os seus conselhos e funcionários se regem pelo mesmo direito que os cidadãos anónimos. Mas é preciso ressalvar que, devido ao maior intervencionismo estatal em Inglaterra, surgiram inúmeras leis administrativas.
O terceiro grande traço do sistema judiciário resido no facto de a administração, não poder por si só, executar as suas decisões. Para impor o respeito da ordem, a administração pública terá que ir a tribunal (tribunal comum logicamente), para obter uma sentença que torne imperativa aquela decisão. Nota importante para o facto de, neste domínio, também existiu uma aproximação do sistema judiciário ao sistema executivo, pois foram criados, como mencionei à pouco, os administrative tribunals que, mesmo não sendo verdadeiros tribunais administrativos, as suas decisões são imediatamente obrigatórias para os particulares, não carecendo de confirmação ou homologação judicial.
Por último, e não menos importante, importa referir que no sistema britânico os particulares dispõem de um conjunto de garantias contra as ilegalidades e abusos da administração pública. Os tribunais comuns gozam de total ou plena jurisdição face à administração pública.
É importante referir que este sistema nasceu em Inglaterra e vigora, hoje em dia, na maior parte dos países anglo-saxónicos, tendo também influência em muitos países da América Latina (como o Brasil).

"O primeiro acontecimento traumático decorre do surgimento
do contencioso administrativo na revolução francesa, concebido
como privilégio do foro da administração (...)"

Vasco Pereira da Silva ("O contencioso administrativo no divã da Psicanálise")

Comentando (ou blogando para ser mais preciso) acerca do sistema de administração executiva ou de tipo francês, é de referir que este apresenta inúmeras diferenças face à administração judiciária.
Desde logo, há uma sujeição da administração pública aos tribunais administrativos. Isto tem uma explicação histórica. Na base do surgimento dos tribunais administrativos em França, está o facto de a administração entender que, como depois da revolução francesa os tribunais comuns, estando nas mãos da nobreza, foram focos de resistência à própria revolução, entendeu-se que o poder judicial não podia intrometer-se no funcionamento da administração pública. Aqui, existiu também, um certo entendimento peculiar do princípio da separação de poderes, pois, como refere o Prof. Vasco Pereira da Silva no ensaio "O contencioso administrativo no divã da psicanálise" "(...) aquilo que se criou em nome da separação entre autoridades administrativas e judiciais não foi a separação, mas sim confusão entre o poder administrativo e judicial, o que erigiu foi um sistema em que o administrador era juiz e o juiz era administrador."
A segundo característica do sistema de tipo francês é o facto de neste a administração estar sujeita ao direito administrativo, pois, o Conseil d´Etat ao longo dos tempos foi considerando que os agentes administrativos não estão em pé de igualdade para com os particulares, pois exercem funções de direito público, devendo ter poderes de autoridade. Há, assim, verdadeiramente neste tipo de sistema um direito administrativo. Contudo à que assinalar que, nos diversos países que estão enquadrados neste tipo, a administração passou a actuar, muitas vezes sob a égide do direito privado (pense-se no caso de empresas pública que passaram a ser sociedades comerciais).
Continuando, importa destacar que, dentro do sistema de administração executivo, o direito administrativo confere à administração um conjunto de poderes bastante peculiares e exorbitantes, isto em comparação com os que o direito civil confere ao particulares entre si. Dando como exemplo o caso de França, nesta ordem jurídica existe o privilégio da execução prévia, quer permite à administração executar as suas decisões por autoridade própria. Nota ainda para o facto de os particulares poderem obter dos tribunais a suspensão da eficácia das decisões unilaterais que foram tomadas pela administração.
Por último, no que diz respeito às garantias jurídicas dos particulares, os sistema de administração executiva oferece um conjunto de garantias aos particulares. Isto advém, como é óbvio do princípio do Estado de direito. Mas é importante referir que, neste tipo de sistema, as garantias dos particulares face à administração são menores do que no sistema judiciário, pois, como eu referi à pouco, o facto de existir um direito administrativo neste sistema, dá à administração poderes de autoridade, logo não há um equilíbrio como há no sistema judiciário.
Resta-me referir que este sistema nasceu em França e vigora hoje em quase todos os países continentais da Europa Ocidental. A este sistema pertence, desde 1832, Portugal.
Para finalizar, e retomando a metáfora com que iniciei este comentário, resta-me referir que este "nosso amigo" que é o sistema judiciário, é um sujeito um pouco introvertido, que estabelece pouco contacto, que só se vai dando a conhecer aos poucos. Mas, os tempos mudam, e de facto surgiu um amigo deles em comum, que estabelece e vai estabelecer cada mais contacto entre o "amigo" e "primo", esse "amigo em comum" é a União Europeia.

(Ps: Não foi possível fazer em forma de comentário devido ao tamanho do texto).

Vítor Fidalgo, A5, 16915

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