terça-feira, 30 de março de 2010

O Contencioso Administrativo nalgumas Ex-Colónias Portuguesas

No cumprimento desta primeira tarefa decidi analisar, não os sistemas de contencioso administrativo britânico e francês per si, mas os de algumas antigas colónias portuguesas, enquadrando-as nos modelos ora referidos.
Começando pelo Brasil, cabe observar como está construído o seu sistema jurisdicional. Ora a CRB, no seu artº 92º, não prevê um órgão jurisdicional especializado para a resolução de questões administrativas; a isto se junta a exigência de um "sistema de jurisdição una", o que significa que o Direito Administrativo será julgado pelos tribunais comuns. O Professor Sérvulo Correia entende, ainda assim, que a criação por via legal de uma jurisdição administrativa não violaria o preceito constitucional ( até porque existem, noutros ramos do Direito, jurisdições específicas).
Ainda de um ponto de vista orgânico, constata-se, na prática, que, no que se refere à justiça da União, a maioria das acções termina no 2º grau de jurisdição. isto porque, se forem levantadas questões de inconstitucionalidade do direito aplicado, haverá recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal; se, porém, não for esse o caso, o recurso só subirá ao Supremo Tribunal de Justiça - e este tribunal será, pois, a última instância administrativa propriamente dita.
Tem entendido a doutrina, porém, que se verifica já uma jurisdição administrativa material, já que o critério para decidir que entidades podem ir a juízo perante a Justiça Federal é o da natureza pública da sua actuação (essas entidades são a União, as Autarquias Federais e as Empresas Públicas - apesar da natureza privada destas últimas). Refira-se, também, um regime próprio em termos processuais quanto às matérias de Direito Administrativo, ou a possibilidade de auto-controlo das decisões da Administração, ainda que a última palavra sobre o Direito caiba sempre aos Tribunais.
Cabe ainda dar conta, nesta breve análise, da posição vantajosa pela Administração quando em juízo. De facto, com fundamento (hoje injustificado, diga-se) na supremacia do interesse público e a falta de uma estrutura organizada para a defesa da Administração, atribuiram-se um conjunto de privilégios processuais, como sejam prazos mais largos em diferentes momentos (a Fazenda Pública tem um prazo quatro vezes mais longo para contestar, e duas vezes para recorrer, como consagra o artº 188º CPC brasileiro) ou o recurso automático e obrigatório para a instância superior (com carácter suspensivo da decisão) quando saiam vencidos a União, os Estados e os Municípios (artº475º CPC).
Procedendo, então, a uma súmula do que foi dito, parece poder dizer-se que o sistema brasileiro de contencioso administrativo constitui o que me parece ser um sistema misto ou híbrido entre o modelo inglês e o francês já que, se o modelo da Administração pelos Tribunais Comuns é elemento característico do primeiro, a concessão de privilégios à Administração caracteriza já o segundo.
Passemos, agora, à análise do sistema angolano. A Constituição de 1992 levou à implementação da 2ª República, consagrando uma justiça administrativa fundada em três corolários: o princípio da legalidade, que consistia na subordinação à lei dos órgãos do Governo e da Administração Pública (artº 54º al. b)); o direito à tutela efectiva (artº 43º), consistindo no direito de impugnação e recurso aos tribunais contra todos os actos que violem os seus direitos; e, por último, a possibilidade de cração de tribunais administrativos, autonomizados dos comuns.
Nos termos do artº 120º, os litígios emergentes das relações administrativas são de apreciação jurisdicional. Vigora o princípio da unidade do poder judiciário, sendo que a ordem jurisdicional comum é integrada por várias jurisdições, inclusive a administrativa. Assim, a realização da justiça administrativa é feita junto dos tribunais comuns.
Visto que a Constituição não refere expressamente quais os tribunais competentes para julgar a Administração, a lei nº18/88 estabeleceu o sistema da ordem jurisdicional comum e, dentro deste, procurou integrar outras ordens jurisdicionais (e, entre eles, a ordem jurisdicional administrativa). Perante a possibilidade de escolha entre um modelo monista ou dualista, ou seja, entre os tribunais comuns ou os tribunais administrativos autónomos, prevaleceu a primeira opção.
Porém, a ordem jurisdicional (não autónoma) administrativa teria como característica a especialidade dentro da jurisdição comum, porque a resolução dos litígios em que a Administração Pública é parte faz-se por aplicação das normas do Direito Administrativo. Esta particularidade é, porém, posta em causa pela doutrina já que, ao nível da organização judicial, a resolução dos litígios na Câmara ou Sala do Cível e Administrativo leva a que, muitas vezes, juízes com formação civilística acabem por pôr em causa a "especialidade da competência para as causas administrativas".
Quanto ao sistema processual, vigora em Angola um sistema de contencioso objectivista, onde se protege mais a legalidade e o interesse público. Ao juíz compete, unicamente, anular os actos administrativos considerados ilegais (artº 21º do DL 4-A/96), não se podendo condenar à Administração à prática de actos; ao contrário de Portugal, não está , portanto, instituído um sistema de jurisdição plena.
Por fim, algumas breves palavras sobre o regime do contencioso administrativo da República da Guiné-Bissau.
Profundamente inspirada na Constituição da República Portuguesa, a CRGB consagra, no seu artº 32º, o direito de todos os cidadãos de recorrerem aos órgãos jurisdicionais contra actos que violem os seus direitos. Entende o Professor João de Caupers que, conjugando este artº 32º com o artº 34º, parece poder retirar-se que a Constituição se orienta no sentido de um contencioso de plena jurisdição.
De um ponto de vista orgânico, o artº121/2 al. b) CRGB permite a criação de tribunais administrativos sem indicar, à semelhança do que se referiu quanto à Constituição angolana, qual o sistema adoptado. A Lei nº3/2002, no seu artº 52º, prevê que, para julgar as matérias de Direito Administrativo, são competentes os Tribunais de competência especializada, integrados no poder judicial (comum), ocupando hierarquicamente a mesma posição que outros Tribunais especializados e Tribunais judiciais de primeira instância.
O sistema guineense caracteriza-se, também, pelo seu carácter subjectivo, ou seja, apesar de se procurar sempre a prossecução do interesse público, o objectivo último é o de garantir os direitos dos particulares. Uma das suas manifestações é a consagração de um processo de partes, onde o juíz ocupa um lugar imparcial entre duas partes (Administração e particulares) com interesses antagónicos.
Cabe, por fim, fazer uma pequena crítica: parece-me que, actualmente, a tentativa de recondução dos sitemas de contencioso aos modelos (primários, diria) francês e britânico é desadequada; de facto, se tomarmos em atenção os casos analisados
, verificamos que, em todos, existem pontos em comum aos dois sistemas (nomeadamente a jurisdição administrativa inserida numa ordem jurisdicional comum, como típica do sistema britânico, e a posição de vantagem e sujeição a um direito específico, por parte das entidades públicas, como característica do modelo gaulês).
Considero, portanto, apesar do seu interesse (e relevo) histórico, que a contraposição cuja actualidade se mantém será entre os sistemas objectivos (em que o objecto do processo administrativo será a protecção da legalidade e prossecução do interesse público) e os sistemas sujectivos, de origem germânica, em que o ob jectivo será a protecção dos direitos dos particulares perante a Administração.
Dinis Tracana, subturma 8, nº 16584
P.S. - Tal como referido por outros colegas, foi-me impossível a publicação deste texto na caixa de comentários já que um erro não permitiu o envio do mesmo.

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