quarta-feira, 31 de março de 2010

Os sistemas de administração judiciária e executiva

Antes da Revolução Francesa de 1789 e da Glorious Revolution de 1688 na Grã-Bretanha o sistema de contencioso administrativo caracterizava-se pela junção numa única entidade, o Rei, das funções administrativa e judicial. De facto o princípio da separação de poderes não era ainda uma realidade pelo que aos particulares, em qualquer litígio com a Administração Pública, não eram reconhecidos quaisquer direitos subjectivos.

Face ao contencioso administrativo francês tem nele amplo impacto a Revolução Francesa de 1789. Apesar de esta ter estado na origem da formulação do princípio da separação de poderes a verdade é que, na prática, o que sucedeu foi a sua negação dado que era a própria Administração que se julgava a si própria não existindo verdadeiros tribunais que, inseridos no poder judicial, se destinassem a julgar a Administração. Tal entendimento era justificado à época pelo facto de o Estado, sendo uma entidade que emanava directamente de todos os cidadãos, não poder ser julgado nos tribunais comuns beneficiando, deste modo, de um privilégio de jurisdição e da sujeição não ao direito comum mas antes ao especial direito administrativo. Em consequência aos particulares não era reconhecida qualquer tutela em eventuais litígios com a Administração.

Igualmente denominado de sistema de administração executiva, o sistema francês caracterizava-se pelo facto de os juízes dos tribunais comuns estarem vedados de conhecer litígios em que uma das partes fosse a Administração. Apesar de em 1799 se terem instituído tribunais administrativos a verdade é que estes estavam inseridos na própria organização administrativa pelo que nunca se verificava um verdadeiro julgamento da Administração. Exemplo de tais tribunais era o Conselho de Estado que, sendo um órgão da Administração, não era imparcial no julgamento da própria Administração em que se inseria.

Em França destacava-se ainda o privilégio da execução prévia da Administração que permitia a esta não apenas executar unilateralmente as suas decisões bem como impor condutas aos particulares sem que lhes seja admissível contraditar as opções da Administração. O principal meio processual era o recurso de anulação mediante o qual o juiz apenas poderia anular certo acto mas nunca lhe permitia condenar a Administração a adoptar certa conduta.

A verdadeira jurisdicionalização do contencioso administrativo ocorre somente quando o Conselho de Estado passou a emitir decisões cuja eficácia não carecia mais de posterior homologação do Chefe de Estado. Apenas neste momento se consagra a verdadeira autonomia dos tribunais administrativos. O passo seguinte foi o de, no próprio texto constitucional, se confirmar o fim da ligação entre os tribunais administrativos e a Administração que acarretou uma mais eficaz protecção dos direitos subjectivos dos particulares. O sistema francês foi exportado para países como a Itália, Alemanha e Portugal.

Já o modelo britânico apresenta distintos traços. Facto fulcral é o diferente entendimento feito do princípio da separação de poderes que se consubstanciava numa efectiva independência e autonomia dos tribunais administrativos que inviabiliza que a Administração seja julgada por órgãos que estejam na sua própria dependência mas antes impõe que a Coroa, enquanto expressão máxima do Estado, se sujeite, tal como os demais cidadãos, à jurisdição comum.

Igualmente relevante para este entendimento é a natureza garantística do “Bill of Rights” de 1689. Aos cidadãos eram reconhecidos direitos subjectivos sendo negados à Administração os privilégios que vigoravam no modelo francês. Em consequência o que existia era um verdadeiro processo de partes no qual vigorava a igualdade entre particulares e Administração.

Contrariamente ao que sucedia no sistema francês não é no modelo britânico admissível que a Administração execute as suas decisões independentemente de os particulares se oporem às mesmas podendo os particulares, sempre em sede de jurisdição comum, contestar a actuação da Administração lesiva dos seus direitos. Consequentemente o poder coactivo de imposição de decisões pela Administração é inexistente. De facto apenas após favorável sentença de um tribunal judicial comum podia a Administração unilateralmente impor as suas decisões.

A evolução ditou o surgimento de tribunais de primeira instância especializados em contencioso administrativo. Tal facto não veio todavia determinar uma duplicidade de jurisdições uma vez que no topo da hierarquia existe um único tribunal que tanto julga litígios de direito privado e de direito administrativo pelo que inexiste um órgão jurisdicional semelhante ao Supremo Tribunal Administrativo português. O modelo britânico foi adoptado em países como o México e os Estados Unidos da América.

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