sexta-feira, 2 de abril de 2010

Tema 2-Mudam-se os tempos mudam-se as vontades.



Promotores de projecto do Largo do Rato querem 18 milhões de indemnização
30 Outubro 2009
Os técnicos e responsáveis pelos departamentos da Câmara de Lisboa por onde passou o processo do polémico edifício projectado para o Largo do Rato divergem quanto à obrigatoriedade de plano de pormenor e deram pareceres contrários.
Segundo o histórico do processo na autarquia - feito no relatório do grupo de trabalho nomeado para reanalisar os casos urbanísticos apontados pela sindicância -, o caso teve início a 27 de Janeiro de 2005, com um pedido de licenciamento para obra de construção. A exigência de um plano de nível inferior (pormenor ou urbanístico) foi uma marca dos pareceres dos responsáveis do Departamento de Gestão Urbanística/Divisão Gestão Zona Sul e das informações técnicas elaboradas.
O projecto de arquitectura do edifício proposto para o Largo do Rato, entre a Rua Alexandre Herculano e a do Salitre, acabou por ser aprovado a 22 de Julho de 2005. Depois, já com o executivo liderado por António Costa, o processo de licenciamento foi chumbado duas vezes (em Julho e Novembro de 2008). Os promotores avançarem com um processo em tribunal contra cada um dos 11 vereadores que votaram contra (todos menos o PS) e pedem 18 milhões de euros de indemnização.
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O tema da legitimidade em processo administrativo é um dos temas mais actuais e que ganha a maior importância com a recente evolução verificada nas relações jurídicas administrativas. Sendo a legitimidade definida, como se pode ler no artigo 9º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA de aqui em diante), em função da participação ou não do autor na relação material controvertida, pretendemos com este trabalho reflectir um pouco sobre a evolução recente dessa mesma relação material controvertida, e os problemas que essa evolução tem colocado em termos de legitimidade activa e passiva do processo administrativo. De facto, cada vez mais a relação jurídica administrativa deixou de ser uma relação bilateral (Administração/Particular), para passar a ser uma relação polarizada ou multilateral, afectando não só os sujeitos da relação jurídica vertical (Administração/particular), mas também os sujeitos das relações jurídicas horizontais, conexas com essa mesma relação vertical (Administração/outros órgãos da Administração; Particulares/ outros particulares afectados, etc.).
Colocámos a notícia que acima se pode ler, por entendermos que está intimamente relacionada com a matéria de que aqui vamos tratar, tentando assim fazer um exercício de hermenêutica jornalística amadora, entre a notícia e a matéria da qual tratamos. Pegando exactamente nessa notícia, nela se relata que os promotores de determinada construção, vêem agora exigir uma indemnização à Câmara Municipal de Lisboa face ao gigantesco prejuízo que já devem ter acumulado em razão de dois chumbos consecutivos do projecto de arquitectura que pretendem construir naquela zona para a qual obtiveram licença de construção. Será interessante ver, como este problema tem ainda resquícios dos traumas de infância aos quais a nossa Administração também não escapou ilesa.
Como já acima referimos, a legitimidade enquanto pressuposto processual, tem como razão de ser a preocupação de trazer a juízo os titulares da relação jurídica controvertida e é a concepção que se tenha dessa mesma relação jurídica que vai determinar o modo como os terceiros possam ou não participar nela. Num primeiro momento, em que a Administração mantinha com os particulares uma relação marcada pela autoridade e consequente subjugação dos administrados a essa mesma posição de supremacia, e onde não eram reconhecidos direitos aos particulares em face da Administração, a relação jurídica administrativa não deixava margem para mais sujeitos que não fossem a Administração e o sujeito particular directamente lesado na sua esfera jurídica por alguma actuação da Administração. Felizmente, a evolução constitucional operada colocou os direitos fundamentais num patamar de irreversibilidade onde já não são defensáveis posições que neguem a existência de direitos dos administrados face à Administração, sob pena de se atentar contra a dignidade da pessoa humana. No entanto, isso não impede que haja várias posições sobre o tipo de poder (chamemos-lhe assim por falta de termo melhor e mais genérico) que o particular pode invocar junto da Administração. A discussão não é assim tão simples e tem raízes mais profundas, na própria concepção de direito fundamental de cada autor; não queremos entrar de forma tão densa na discussão mas vamos procurar trazê-la para o que aqui nos importa, sintetizando o máximo possível a sua explicação. Na nossa doutrina a distinção entre direitos fundamentais e figuras afins tem encontrado terreno bastante fértil, para dar apenas uma ideia das opiniões dominantes podemos dizer que hoje em dia, quase todos os autores, fazem a distinção entre direitos subjectivos e interesses legítimos. Tal orientação dominante é perfeitamente compreensível face: 1º : ao próprio texto constitucional, que no artigo 268º nº4 garante aos administrados a tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, 2º : ao artigo 55º nº 1 a) do CPTA, e por último o próprio artigo 57º do CPTA que nos vai ser especialmente útil no desenvolvimento do tema, que também usa as duas expressões em uníssono. Assim, encontramos autores como o Prof. Freitas do Amaral, que explica a distinção com base no facto de os direitos subjectivos resultarem de forma imediata da lei, enquanto que nos interesses legítimos o poder de vantagem do individuo é atribuído apenas de forma reflexa; ou ainda o Prof. Rui Machete que explica a diferença dizendo que no caso dos direitos subjectivos a sua efectivação não está dependente de nenhuma actuação administrativa, enquanto que nos interesses legítimos a sua efectivação estaria dependente do exercício do poder administrativo. Revolucionária e inovadora nos parece ser a posição do Prof. Vasco Pereira da Silva em relação a esta matéria, devemos confessar que, enquanto estudada na disciplina de Direitos Fundamentais, a sua teoria da norma de protecção nos fazia relutar um pouco pelo excesso de subjectivismo que poderia estar contido na interpretação do âmbito de aplicação da norma, uma vez aplicada ao processo administrativo ela parece fazer todo o sentido, uma vez que cumpre na plenitude a função de bálsamo ou terapia para os traumas de infância de que a disciplina padece ajudando-a a tornar-se um adulto saudável. Ora vejamos: o particular será titular de um direito subjectivo face à Administração, sempre da norma jurídica resulte um direito, uma protecção do seu interesse, uma vantagem para o particular ou um beneficio de facto decorrente de um direito fundamental. Quanto a esta última situação que o Prof. entende ainda estar abrangida pelo conceito de direito subjectivo, insurge-se o Prof. Rui Machete dizendo que esses interesses de facto só podem ser tutelados uma vez subjectivados através da participação dos seus titulares no procedimento administrativo, e que para tal contribui o conteúdo do artigo 53º do Código de Procedimento Administrativo, que “abre” o procedimento a terceiros não titulares de direitos subjectivos. Cabe dizer aqui que tal não é uma tutela suficiente nem satisfatória, uma vez que nem todas as situações susceptíveis e serem apresentadas em juízo têm forçosamente atrás de si um procedimento administrativo. De modo que não chega fazer uma distinção entre direito subjectivo e interesse legítimo, importa antes modificar o próprio conceito de relação jurídica administrativa e adaptá-lo aos nossos dias, isso evitará muitos conflitos e contribuirá para a o equilíbrio neste “jogo de soma zero” que são as relações entre a Administração e os particulares, em que alguém vai ter sempre de ficar a perder para que outro ou outros interesses prevaleçam. Atentemos de novo no caso apresentado para melhor ilustrar a situação: Temos aqui o caso paradigmático, sobejamente discutido na doutrina alemã, no qual uma câmara municipal concedeu uma licença de construção a um determinado promotor, sem ouvir os ouros particulares, que também seriam afectados pela situação, nomeadamente os vizinhos e moradores da zona. É certo que o artigo 53º do CPA considera que terceiros interessados no procedimento podem nele intervir, mas todos sabemos que a população portuguesa não tem como hobby as questões cívicas, e muito menos o direito do urbanismo, seria legitimo impedir que esses terceiros pedissem em tribunal a anulação da concessão da licença de construção, porque uma vez que não participaram no procedimento, podendo fazê-lo, os seus interesses não foram subjectivados? A resposta parece ser negativa.
Uma última palavra para explicar o fracasso na doutrina alemã do acto administrativo de duplo efeito, teoria desenvolvida por Laubinger. O acto administrativo de duplo efeito seria aquele acto que cria um direito a favor de determinada pessoa mas simultaneamente atinge um direito de outra. No entanto, a doutrina acabou por concluir que esse acto não servia para tutelar cabalmente as posições de todos os atingidos, uma vez que nesse mesmo acto não se reconhecem os direitos de terceiros, como por exemplo não consta de uma licença de construção o direito do vizinho
à fiscalização da obra.
Concluindo, podemos dizer que no nosso ordenamento houve uma franca evolução no sentido de reconhecer o carácter multilateral das relações jurídicas administrativas, e que hoje em dia esse carácter multilateral está espelhado na previsão da legitimidade passiva de cada acção como resulta dos artigos: 10º n1, 57º e 68º nº2 do CPTA. E na forma de legitimidade activa: artigo 9º nº 2, 55º nº1 f) e 68º nº1 f) do mesmo diploma. Apesar desta previsão específica, devemos fazer uso da teoria da protecção da norma, para que os terceiros deixem de ser terceiros e passem a ter um papel de parte principal na acção.

1 comentário:

  1. Neste sistema de avaliação por post em blogue pareceu-me mais interessante, fazer uma pequena reflexão sobre o tema, relacionando o actual entendimento do CA como processo de partes com um dos corolários da Actuação Administrativa nos nossos dias, como é a Responsabilidade Civil do Estado.

    Está consagrado no art. 271º da CRP que todos os agentes e entidades Públicas são responsáveis pelas suas actuações, que resultem na violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

    Ora esta responsabilidade pressupõe que um particular possa ser indemnizado quando um Direito subjectivo seu seja atacado, negado ou simplesmente não tenham sido criadas as condições necessárias a que se efectivem os seus direitos ou interesses. São assim indemnizáveis os danos de que um particular é alvo por acção ou omissão da Administração.

    Sendo que o CA ultrapassou, esperamos que definitivamente, a sua "infância díficil", são os Tribunais Administrativos que têm por função estabelecer ou não a responsabilidade dos organismos Públicos e quantificar os danos que possivelmente tenham causado a actuação pública em cada caso.

    Nos nossos dias tomamos como certo este Direito, contundo se hoje, com antes, o Processo Administrativo fosse entendido como "Processo Acto" e não como um "Processo das Partes", seria dificilmente encaixável qualquer tipo de Responsabilidade da Administração assegurada aos Particulares por danos inflingidos pela actuação daquela.

    Por pontos, expliquemos:

    - em primeiro lugar, na visão objectivista o cidadão aparecia apenas como titular de um interesse difuso vertido sobre toda a População em que no processo aparecia como sindicante de uma actuação potencialmente ilegal. Isto resultava numa extensão ad infinitum, pelo menos em teoria, dos participantes no Processo Administrativo uma vez que todos teriam então direito de tentar impedir uma actuação ilícita. Tal só não aconteceria por motivos de praticabilidade, porque permitiria, nas palavras de CHENOT, " ...não importa quem a reagir contra não sei o quê"

    - em segundo lugar esta lógica objectivista, de sindicância dos actos Públicos, resultava no muito menor interesse e vantagem na intervenção num processo de Contencioso Administrativo, pois ela não visava um ganho singular mas simplesmente na reposição ou anulação do acto omisso ou praticado ilicitamente.
    Obviamente e numa lógica capitalista, que nos é próxima actualmente, sem gaho particular raramente existe actuação particular.
    O cidadão era apenas beneficiado pela "coincidência" de a sua situação ser implicada e afectada por uma actuação ilícita.

    - concluindo os dois pontos anteriores, relacionando com o nosso pano de fundo, a RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO, temos que num sistema que não reconhece uma parte num processo, também não lhe poderá reconhecer qualquer lesão ou dano subjectivo que possa ou deva ser indemnizado. Como tal silogisticamente era muito difícil conceber num sistema de " Processo Acto", aquilo que hoje é por nós tido como da mais elementar justiça, uma INDEMNIZAÇÃO SUBJECTIVA POR DANOS CAUSADOS PELA ACTIVIDADE OU OMISSÃO DE ORGÃOS PÚBLICOS.

    - Esta indemnização não poderia ser-lhe concedida pois este não era considerado alvo específico da actuação da administração pública.

    Concluindo enquanto colectividade temos um "direito à legalidade concebida em termos objectivos", mas estamos cada um de nós enquanto cidadãos com uma esfera jurídica única e irrepetível em posição susceptível de ser afectado individualmente, logo é de todo natural ver reconhecida esta posição no Processo Contencioso Administrativo.

    Pedro Rosa Fernandes Subturma 12, n.º 16830

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